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Full text of "Passos dos Lusíadas, estudados à luz da mitolojía e do orientalismo: memoria apresentada á 10. sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas"

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Vasconcell os -Abreu,  Guilherme 
de 

Passos  dos  Lusíadas 


I 


SOCIEDADE  DE  GEOGRAPHÍA  DE  USDUA 


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mum  1  LUZ  oiMiíOLOJíí  e  do  omENiiLism 


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CONGRESSO  INTERN&CIONAL  DOS  ORIEMTALISTAS 

POK 

G.   DE  VASCONCELLOS-ABREU 

Lente  de  sámscrito  no  Curso  Superior  de  Letras 

s,  s.  a.  L. 


LISBOA 

IMPRENSA   NACIONAL 

1892 


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PASSOS  DOS  LUSÍADAS 


SOCIEDADE  DE  GEOGRAPHIÂ  DE  LISBOA 


PASSOS  DOS  LUSÍADAS 

[SIUDAOOS  i  LyZ  DA  IIIIOLOJÍÂ  E  00  ORIENIALIIO 

MEMORIA  APRESENTADA  Â  X  SESSAO 

DO 

CONGRESSO  INTERNACIONAL  DOS  ORIENTALISTAS 

POR 

G.   DE   VASCONCELLOS-ABREU 

Lente  de  sámscrito  no  Curso  Superior  de  Letras 

S,  S.  G.  L. 


LISBOA 

IMPRENSA    NACIONAL 

1892 


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V 


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Jytíciano   Sozòeízo 


A  sociedade  que  deu  maior  impulso  às  conferencias  e 
festas  camoneanas,  aquela  em  cujo  seio  tudo  se  preparou 
para  a  comemoração  do  tricentenário  do  Grande  Épico  dos 
povos  românicos,  a  que  melhor  concorreu  para  que  se  ce- 
lebrasse em  Lisboa  o  notável  cortejo  cívico  do  dia  10  de 
junho  de  1880,  foi  a  «Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa». 

Na  sala  principal  desta  benemérita  sociedade  fiz  no  dia 
4  de  maio  daquele  ano  a  conferencia  que  publiquei,  para 
comemoração  do  tricentenário  de  Camões,  com  o  título 
Fragmentos  d'uma  Tentativa  de  Estudo  Scoliastico  da  Epo- 
peia Portugueza. 

Induziu-me  a  isso,  muito  particularmente,  o  amável  con- 
vite do  secretario  jeral  (hoje  perpetuo)  daquela  sociedade, 
o  meu  amigo  Luciano  Cordeiro. 

Keedito  agora  neste  opúsculo,  a  convite  e  instancias  do 
mesmo  amigo,  a  parte  de  mitolojía  e  mitografía  compara- 
das que  propriamente  era  a  escoliástica  nos  Fragmentos. 

Se  da  primeira  vez  julguei  que  o  meu  trabalho  não  era 
digno  de  entrar  no  concurso  dos  literatos  portugueses,  me- 
nos julgo  desta  vez  que  ele  seja  digno  de  se  apresentar 
num  congresso  internacional  de  orientalistas. 


II 


A  minha  missão  tal  como  a  tenho  compreendido,  desde 
1881,  pe'las  circunstancias  de  meio  científico  do  meu  pais, 
no  que  diz  respeito  a  estudos  históricos,  mui  particular- 
mente filolójicos,  e  sobretudo  orientais,  é  a  que  eu  já  an- 
tevira  ao  escrever  o  prefacio  com  que  dei  a  lume  a  minha 
conferencia. 


Em  1880  dizia  eu  no  prefacio  dos  Fragmentos  d'uma 
Tentativa   de  Estudo  Scoliastico  da  Epopeia  Portugueza: 

«Desde  que  em  187Õ  comecei  a  dedicar-me  ao  estudo 
das  Htteraturas  orientaes,  principalmente  da  hindu  antiga, 
julguei  de  necessidade  o  apreço  scientifico  das  obras  dos 
clássicos  portuguezes  que  melhores  noticias  nos  deixaram 
das  terras  da  Ásia. 

Os  commentarios  deficientes,  que  alguns  contemporâneos 
de  Camões,  e  outros  scoliastas,  fizeram  da  obra  do  grande 
épico  portuguez,  assignalaram-me  a  falta  d'aquelle  apreço. 
E  não  só  os  Lusíadas  *  o  merecem,  mas  também  os  Collo- 
quíos  de  Garcia  da  Orta*  e  as  Peregrinações  de  Fernão 
Mendes  Pinto ;  e  convém  escolher  na  volumosa  obra  de 
Gaspar  Corrêa  as  lendas  de  interesse  real,  e  esclarecel-as 
como  Yule  o  fez  para  as  viagens  de  Marco  Polo. 

Dos  nossos  viajantes  é  mister  colher  quanto  ainda  está 
inédito,  e  levantar  á  altura  que  lhes  é  devida  os  nomes 
quasi  esquecidos  de  Bento  Góes,  António  de  Andrada, 
Manuel  Freyre,  Fr.  Tristão  da  Cunha  e  outros,  que  anda- 
ram pelas  regiões  inhospitas  da  Ásia,  já  passando  o  Himá- 
laya  pelo  Pir-Panjal,  e  pelo  Mariam-la  chegando  a  Lhasa, 
já  atravessando  o  Pamir,  e  penetrando  na  China. 


^  Felizmente  os  Colloquios  de  Garcia  da  Orta  estão  sendo  edita- 
dos e  explicados  com  são  critério  e  segura  erudição  pe'lo  sr.  Conde 
de  Ficalho;  dos  Lusíadas  deu  ultimamente  à  estampa  o  Canto  I  o 
sr.  F.  de  Salles  Lencastre,  com  aparato  ilucidativo  de  primor  des- 
conhecido entre  nós,  e  com  o  grande  realce  do  estudo  da  pronuncia 
da  lingua  portuguesa  feito  pelo  ?r.  A.  R.  Gonçalves  Vianna. 


III 


Do  coração  me  consagraria  eu  a  estes  trabalhos  se  a 
fortuna,  privando-me  de  meios  de  que  para  esse  afadigado 
estudo  carece  o  espirito,  me  não  deixasse  apenas,  como  á 
timida  borboleta,  azas  que  não  são  para  voo  altivo. 

Como  a  larva  que,  transformada,  vem  para  entre  as  flo- 
res batendo  em  adejos  vacillantes  as  leves  e  mal  seguras 
azas,  eu  sinto-me  tomado  de  vertigem  quando  me  trans- 
formo ao  sol  da  sciencia,  soltando-me  do  casulo  escuro 
de  obrigações  penosas  para  o  meu  espirito. 

Com  afan,  incansável,  labuto  e  lido  com  a  pressa  da 
maripoza,  mas  com  o  vigor  de  quem  só  por  si  ha  de  levan- 
tar um  edifício,  acarretando  pedra  e  afeiçoando-a,  aplai- 
nando toda  a  obra  até  chegar  ao  concerto  total. 

Pedra  britada  que  salta  d'esse  afeiçoamento,  e  marava- 
lhas que  se  juntam  d'esse  aplainar,  são  estes  fragmentos 
amostras  dos  materiaes  que  disponho  e  não  do  fim  com  que 
os  ordeno». 


Nunca  tive  a  louca  pretensão  de  ser  um  orientalista  que 
por  trabalhos  próprios  enriquecesse  o  tezouro  das  pesqui- 
zas  orijinais  com  que  se  engrandece  a  ciência.  Carecia 
para  isto  de  meios  pecuniários  de  que  não  pude  nunca  dis- 
por e  de  meio  científico  que  ainda  não  se  formou  entre 
nós.  Carecia  de  recursos  em  manuscritos  e  mesmo  livros, 
jornais  e  outros  trabalhos  impressos,  que  as  três  princi- 
pais bibliotecas,  mais  ao  meu  alcance,  a  Biblioteca  Pública, 
a  Biblioteca  da  Academia  Real  das  Ciências,  e  a  da  Socie- 
dade de  Jeograíia,  me  não  podem  fornecer. 

O  meu  desejo  tem  sido  sempre  implantar  os  estudos  de 
samscritolojía  em  Portuga],  país  a  que  sempre  os  julguei 
necessários,  e  prestar  testemunho  de  honra  à  minha  pátria 
escrevendo  um  capítulo  da  sua  historia  ultramarina.  São 
com  efeito  dois  os  pontos  que  eu  tenho  trazido  sempre  em 
mira  no  meu  empenho  de  estudo  das  cousas  orientais,  um  — 
o  conhecimento  e  compreensão  da  índia,  outro  —  escrever 


IV 


à  luz  deste  conhecimento  e  guiado  por  esta  compreensão  a 
Historia  Portuguesa  da  Ásia. 

A  doença,  que  já  em  1880  me  flajelava  e  se  prolongou 
até  1884,  e  os  desenganos,  que  dia  a  dia  se  acumulam, 
amorteceram-me  o  vigor :  já  não  penso  com  entusiasmo  na 
possibilidade  da  realização  daquele  meu  empenho. 

Cuanto,  porém,  para  isto  tenho  feito  digam-no  as  obras 
já  publicadas  por  mim,  as  discussões  que  tive  na  Comissão 
das  Missões  no  Ministério  da  Marinha  e  Ultramar,  e  as 
vãs  promessas  dalguns  políticos,  que  rápidos  têem  passado 
à  superfície  da  minha  atmosfera,  como  estrelas  cadentes  (!) 
e  efémeros  (!)  meteoros,  sem  esclarecerem  as  trevas  de 
olvido  em  que  uns  e  outros  me  deixam  a  mim  e  ao  meu 
empenho. 

Dessas  discussões,  dessas  promessas  nada  resta ;  só  há 
para  testemunho  do  meu  esforço  esses  poucos  livros  que 
tenho  dado  à  estampa,  no  intuito  de  aplanar  dificuldades  a 
quem  depois  de  mim  vier  trilhar  a  estrada  que  deixo 
aberta,  e  no  intuito  de  ministrar  aos  nossos  missionários 
da  índia  conhecimentos  que  lhes  são  indispensáveis. 

Estes  livros  são :  Manual  -para  o  estudo  do  sàoskrito 
clássico. — Vol.  I,  tomo  I:  Grammatica  (1881-1882,  in-8.° 
p.  XXIII,  186);  tOmo  II:  Chrestomathia  (1883-1891, 
in-8.°  p.  214,  VI). — Vol.  II,  tomo  I:  Exercidos  e  Pri- 
meiras leituras  de  sámscrito  (1889,  in-8.°  p.  173,  fora  o 
índice,  as  erratas  e  o  prefacio,  que  tudo  vai  ser  dado  com 
o  tomo  II). — A  Literatura  e  a  Relijião  dos  Árias  da  ín- 
dia. Parte  I :  Introdução :  Logar  da  literatura  árica  da 
índia  na  historia  da  civilização  do  Mundo  e  sua  influen- 
cia no  critério  sociolójico  moderno  (188Õ,  in-12,  p.  XXXII, 

171). 

Os  três  primeiros  livros  são  publicações  feitas  por  conta 
do  Estado,  em  Lisboa  na  Imprensa  Nacional,  e  ao  Estado 
cumpre  fornecê-los  aos  missionários  que  de  Portugal  vão 
para  a  índia.  O  cuarto  livro  é  edição  de  Paris.  Em  nenhum 
teve  o  autor  interesse  pecuniário,  de  nenhum  auferiu  pro- 
veito material. 


Com  o  mesmo  desinteresse,  e  no  mesmo  intuito  tenho- 
-me  ocupado  nestes  dois  últimos  anos  na  redacção  do  vo- 
cabulário de  sámscrito  do  tomo  I  do  vol.  II.  Constitui  esse 
vocabulário  o  tomo  II  do  vol.  II ;  tenho  dele  já  impressas 
três  folhas  e  a  4.*  vai  brevemente  entrar  no  prelo ;  deve 
o  tomo  ser  de  cerca  de  350  pájinas.  Com  esse  tomo  intro- 
duzo o  método  comparativo  no  estudo  da  morfolojía  sams- 
crítica. 

É  desta  maneira  que  entendo  a  minha  missão  de  orien- 
talista, em  Portugal. 


Todos  estes  trabalhos  (e  não  falo  aqui  de  pequenos  fo- 
lhetos e  artigos)  têem  sido  feitos  em  luta  constante  contra 
resistências  passivas  de  meio  adverso  a  estudos  desta  natu- 
reza, e  à  custa  de  muitos  sacrifícios :  As  imposições  irre- 
sistíveis da  vida  têem-me  levado,  muitas  vezes,  a  minha 
actividade  de  espírito  para  outro  campo  e  obrigado  a  inter- 
rupções demoradas. 

Nesta  luta  em  que  se  perdem  tantas  forças  úteis  para  o 
trabalho  pacífico,  descuidei  tudo  cuanto  não  fosse  a  tarefa 
a  que  me  obrigara  por  julgar  assim  mais  profícua  a  futuros 
estudiosos  a  minha  dedicação. 

Todavia  como  do  aplainar  da  obra  saltam  as  marava- 
lhas, assim  do  meu  estudo  glotolójico  destes  últimos  anos 
têem  saído  aparas  com  que  pensei  compor  Memoria  que 
fosse  melhor  cabida  homenajem  ao  Congresso. 

Mas  veiu  logo  o  casulo  das  obrigações  oficiais  prender- 
-me  e  tive  de  exercer  gratuitamente,  por  ordem  do  Minis- 
tério do  Reino  e  Instrução  Pública,  até  fim  de  julho,  as 
funções  de  examinador  no  Liceu  de  Lisboa.  Examinei  em 
francês,  em  português,  em  literatura,  em  historia;  não 
escrevi  a  minha  memoria  para  o  Congresso,  e  perturbei 
completamente  o  meu  cérebro  com  aquele  trabalho  fati- 
gante e  com  o  atordoamento  moral  pe'lo  que  durante 
aquele  tempo  de  exames  vi  e  ouvi,  inferi  e  verifiquei. 


VI 


Refujiei-mc  nesta  caldeia,  aonde  me  trouxe  para  sossego 
a  espontânea  hospitalidade  dum  amigo,  e  aonde  a  incan- 
sável actividade  doutro  veiu  lembrar-me  a  promessa,  com 
que  para  ele  eu  me  havia  obrigado,  de  refazer  a  minha 
conferencia  de  4  de  maio  de  1880. 

Cumpro  a  promessa.  Atrevo-me  a  tanto!  e  até  certo 
ponto  por  estar  hoje  fora  do  mercado  o  meu  trabalho  pri- 


meiro. 


Poucos  são  os  passos  dos  Lusíadas  que  interpreto  neste 
escrito,  e  deles  havia  já  tratado  por  ocasião  do  centenário 
de  Camões. 

Entendi  que  devia  eliminar  a  parte  meramente  literária 
dos  centÔes  e  corrijir  e  ampliar  a  que  mereceu  encómio  de 
alguns  homens  de  ciência,  que  me  honraram  no  apreço  do 
meu  estudo  escoliástico. 

A  um  desses,  muito  especialmente,  devo  testemunhar 
o  meu  público  agradecimento.  E  o  sr.  Donald  Ferguson, 
que  se  dignou  traduzir  em  inglês,  com  o  título  Buddhist 
Legends,  o  meu  primitivo  ensaio  de  mitografía  e  mitolojía 
comparadas. 

De  umas  brevíssimas  observações  que  o  sr.  Donald 
Ferguson  fez  à  minha  tradução  do  canto  IX  do  Dipa- 
vamsa  (ed.  de  Oldenberg),  aproveitei  agora  o  que  era 
justo,  e  é  tão-sómente  o  que  se  refere  ao  verso  18, 
pesunã,  e  ao  verso  32  que  prefiro  ler  e  traduzir  como 
Oldenberg  preferiu  e  eu  já  havia  feito  notar  a  páj.  49, 
nota  1,  que  ele  preferira.  Emeuanto  à  tradução  de  ava- 
ssakã  nos  versos  13-14  rejeito  a  que  eu  dera,  e  traduzo 
mais  ou  menos  como  Oldenberg ;  com  efeito  Oldenberg  tra- 
duziu «helplessly»  e  eu  traduzo  «sem  governo»;  para  isto 
guieime  pe'lo  sámscrito,  passando  o  páli  avassakã  para 
a  forma  avasjakam  e  atendendo  a  que  avasja  significa 
«que  se  não  sujeita  à  vontade  doutrem». 

A  propósito  da  observação  do  sr.  Donald  Ferguson  no 
tocante  à  minha  tradução  «ir  de  gatinhas»,  direi  que  esta 


J 


VII 


tradução  é  pe'lo  menos  tão  boa  como  a  de  «to  craw]». 
«Andar  de  gatinhas»  ou  «engatinhar»  é  expressão  portu- 
guesa comum  e,  se  não  pintoresca  no  ponto  estético,  des- 
critiva no  símile,  pe'lo  cual  designamos  o  andar  das  crian- 
ças arrastando-se  de  joelhos  e  com  as  mãozinhas  no  chão, 
no  período  em  que  ainda  não  podem  pôr-se  de  pé  e  andar 
erectas.  Direi  mesmo  que  o  verbo  «engatinhar»  ou  a  perí- 
frase  «ir  de  gatinhas»  escusa  o  dizer-se  acom  pés  e  mãos»  ; 
há  nisto  redundância,  que  deixei  ficar  por  querer  traduzir 
as  palavras  ubhopãnlhi  ganniihi,  e  não  ser  este 
pleonasmo  cousa  para  estranhar-se  em  português  verná- 
culo. Em  inglês  traduz-se  muLto  bem  «engatinhar»  por 
«to  creep  with  hands  and  feet». 

Enriqueceu  o  sr.  Donald  Ferguson  o  meu  pequeno  traba- 
lho com  a  sua  tradução  do  játaca  do  Cavalo- Nuvem.  Dou 
esse  játaca  em  seu  logar,  na  própria  versão  inglesa,  e  com 
as  respectivas  notas  que  a  acompanham  no  folheto  em  que 
se  trasladou  o  meu. 


Se  aos  orientalistas  e  aos  camoneauistas  merecer  alguma 
importância  a  reedição  do  trabalho  publicado  por  mim  por 
ocasião  do  tricentenário  de  Camões,  agora  assim  modifi- 
cado, seja  isso  em  louvor  de  Luciano  Cordeiro,  a  cujas 
instancias  se  deve  e  para  cujo  preito  o  dedico. 


Agualva,  23  de  agosto  de  1892. 


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A    n  1 1  a  r  a  -  V  0  d  i , 

a    V  e  d  i 

superior, 

As  queixas  amargas  e  punjentes,  em  que  por  vezes 
vemos  demorar-se  Camões,  não  lhe  fazem  esquecer  o  que 
viu,  o  que  leu  e  o  renascimento  clássico  ensinava  aos  mais 
ilustres  filhos  da  escola  italiana,  não  lhe  toldam  o  apreço 
dos  homens  com  quem  tratou,  nem  exajeram  as  dificul- 
dades e  perigos  que  ele  combateu.  Os  desastres  «miseran- 
dos» e  «tristes»,  os  «novos  trabalhos»  e  os  «novos  danos» 
em  que  a  fortuna  «o  trazia  peregrinando» 


com  pobreza  avorrecida, 

Por  hospícios  alheios  degredado 


o  poema  dos  Lusíadas  é  a  Epopeia  da  Pátria  Portu- 
guesa, a  autobiografia  do  Poeta,  e  uma  enciclopédia  em 

transunto  reduzido 

Em  pequeno  volume 

de  todo  o  saber  de  então,  e  das  tradições  próprias  do  sé- 
culo XVI  na  Europa  e  das  que  àquele  tempo  nos  tinham 
vindo  do  Oriente. 

As  queixas  amargas  e  punjentes,  em  que  por  vezes 
vemos  demorar-se  Camões,  não  lhe  fazem  esquecer  o  que 
viu,  o  que  leu  e  o  renascimento  clássico  ensinava  aos  mais 
ilustres  filhos  da  escola  italiana,  não  lhe  toldam  o  apreço 
dos  homens  com  quem  tratou,  nem  exajeram  as  dificul- 
dades e  perigos  que  ele  combateu.  Os  desastres  «miseran- 
dos» e  «tristes»,  os  «novos  trabalhos»  e  os  «novos  danos» 
em  que  a  fortuna  «o  trazia  peregrinando» 

com  pobreza  avorrecida, 

Por  hospícios  alheios  degredado 


não  lhe  acabrunham  o  espirito  nem  o  estorvam  de  relatar, 
confirmando,  o  que  das  terras  da  Aurora  disseram  os  his- 
toriadores e  viajantes  que  primeiro  delas  falaram,  nem  de 
colher  dos  próprios  naturais  fiel  interpretação  ainda  não 
sabida. 

Até  a  última  estrofe,  Camões  é  seguro  no  conhecimento 
como  é  sublimado  no  canto,  ardente  no  enjenho,  e  tão  vigo- 
roso na  frase  como  de  seu  provado  valor  alevantado. 

De  usos  e  lendas  de  povos  orientais  que  ele  refere, 
pouco  explica  a  lição  dos  comentadores  do  Poeta;  pe'lo 
quê,  sem  me  erguer  a  confronto  com  eles,  neste  breve  es- 
tudo escoliástico,  pretendo  aqui  explicar  algumas  referencias 
desses  factos  sociais,  que  hoje  tanto  interessam  aos  doutos 
que  investigam  a  demopsicolojia,  por  verem,  nesse  enleio 
infantil  das  civilizações  passadas^  as  ténues  palhas  de  que 
se  fizeram  os  calabres  poderosos,  que  ainda  acorrentam 
as  civilizações  hodiernas. 


Os  monstros  de  Pegu.  Os  homens-cães 

Um  dos  cantos  dos  Lusíadas  que  mais  tenho  estudado 
cotejadamente  com  historiadores  e  viajantes  nossos,  ó  o 
Canto  X;  a  obra  que  mais  se  deve  comparar  com  o  que 
o  Poeta  nos  relata  nesse  canto  é  o  notável  périplo  de 
Duarte  Barbosa. 

Com  Duarte  Barbosa  está  ele  de  acordo  no  estranho  caso 
e  não  menos  singular  usança,  que  relata  cuando  diz : 

«Olha  o  reino  Arracâo,  olha  o  assento 
De  Pegu,  que  já  Mõstros  povoarão, 
Môstros  filhos  do  feo  ajunctamento 
Dhua  molher  e  hum  cão,  que  sos  se  acharão : 
Aqui  soante  Arame  no  instromento 
Da  geração  custumão,  o  que  usarão 
Por  manha  da  Raynha,  que  inventando 
Tal  uso,  deitou  fora  o  error  nefando». 

L.  X,  foi.  181. 

Os  «monstros  filhos  do  feio  ajuntamento»  de  que  fala 
o  Poeta  são  os  Gares  de  Pegu  e  sul  de  Berma,  selvajens 
denominados  «homens-cães»  pe'los  Bermas*. 


1  Bastian,  Oestl.  Asien,  I,  133.  O  Dr.  B.  quere  que  se  escreva 
Birmá  e  não  Barmá,  Bramah,  Burmah,  etc.  Duarte  Barbosa  escreveu 
Berma,  ortografia  melhor  que  Brama  e  que  nós  Portugueses  de- 
vemos seguir. 


Do  costume  de  trazerem  soante  arame  no  instnimento 
da  jeração  lê-se  noticia  mais  desenvolvida  em  a  descrição 
das  costas  orientais  africanas  e  do  Malabar  dada  por 
Duarte  Barbosa  [Hakluyt  Society  de  Londres^  páj.  184  do 
resp.  vol.,  e  in  Noticias  para  a  Historia  e  Geografia 
das  Nações  Ultramarinas,  publ.  pela  Acad.  R.  das  Scien- 
cias  de  Lisboa,  1812,  tomo  II,  páj.  366,  ou  da  2.*  ed.  páj. 
360-361). 

Diz  assim : 


HAKLUYT  80CIETT 

«...  traen  en  los  capi- 
rotes  de  sus  miembros  unos 
cascavellos  redondos  cosy- 
dos  soldados  entre  la  carne 
y  el  cuero  por  hazerselos 
mayores,  algunos  traen  três, 
y  algunos  cinco,  y  algunos 
syete,  y  dellos  de  oro  y  de 
plata  y  otros  de  metal,  los 
quales  les  van  sonando  de 
que  andan  y  an  lo  por  mu- 
clia  gentileza  y  las  mugeres 
huelgan  mucho  con  ellos  y 
no  quieren  hombres  que  no 
los  tengan,  y  los  que  mas 
honrados  son,  esos  los  traen 
mas  y  mayores.» 


A.  R.  DAS  CIÊNCIAS 

«...  trazem  suas  natu- 
ras  nhús  cascavéis  redondos, 
cerados,  e  muy  grandes,  co- 
sidos e  soldados  por  dentro 
antre  ho  couro  e  carne,  por 
fazerem  grande  soma,  e  tra- 
zem muitos  destes  até  sinco, 
deles  saom  douro,  outros  de 
prata,  ou  metal  segundo  hos 
que  hos  trazem,  e  quando 
andaom  fazem  grande  som, 
ho  que  haom  por  grande 
honra,  gentileza;  e  quanto 
mais  honrados,  trazem  mais: 
has  mulheres  folgam  tanto 
com  iso  que  nom  querem 
homeins  que  os  não  te- 
nhaom,  e  nom  digo  mais 
deste  costume  pola  desones- 
tidade.» 


Para  lastimar  é  não  o  dissesse  que  a  não  há  em  ciência. 

Ibn-Batutah  relata  estes  estranhos  costumes  por  forma 
que  não  há  que  duvidar-se.  Damos  a  tradução  da  passajem 
respectiva  segundo  Defrémery  e  Sanguinetti  (ed.  da  So- 
ciété  Asiatique,  IV,  224-22Õ) : 


i(Les  hommes  de  ce  pays  nous  ressemblent  au  physique, 
si  ce  n'est  que  leurs  bouches  sont  pareilles  à  des  gueules  de 
chien.  Mais  il  n'en  est  pas  de  même  de  leurs  femmes  (con- 
corda com  João  de  Barros,  Década  III:  3,  4,°)  qui  sont 
d'une  esquise  beauté.  Les  hommes  sont  nus  et  ne  revêtent 
pas  d'habit,  seulement,  quelques-uns  placent  leur  membre 
viril  et  leurs  testicules  dans  un  étui  de  roseau  peint  et 
suspendu  à  leur  ventre.  Les  femmes  se  couvrent  de  feuilles 
d'arbres. ...  les  indigènes  s'accouplent  comme  des  brutes, 
et  ne  se  cachent  pas  pour  cela  (Barros,  Z.  c,  diz:«  pois 
que  no  acto  do  ajuntamento  d'elles,  querem  imitar  os 
cães»). 

O  P.®  Barbe  (apud  Yule  in  The  Book  of  Ser  Marco 
Poloj  2.^  ed.,  II,  294)  dá-nos  conta  de  se  julgarem  os  povos 
do  Nicobar*  descendentes  duma  raça  canina  e  humana- 
mente de  mulheres.  Tradição  esta  que  bem  pode  ser  expli- 
cada pe'lo  modo  de  contar  o  parentesco  pe'la  linha  feminina, 
como  é  uso  ainda  entre  os  Berraás^. 

Marco  Polo  dizia  já  dos  habitantes  das  ilhas  Andamanes 
que  eles  -tinham  cabeça  de  cão,  e  olhos  e  dentes  de  cão. 


1  A  mesma  crença  noticiam  Schirren,  Die  Wandersagen  der  Neu- 
seelãnder,  etc,  páj.  155.  Waitz,  Ântropologie  der  Naturvôlher,  5,  33; 
apud  Liebrecht,  Zur  VolksTcunde,  páj.  20.  Bali,  in  Jungle  Life  in 
Índia,  Londres,  1880,  diz  dos  Nicobares:  «The  people  struck  me  as 
being  the  most  unprepossessing  I  had  ever  seen;  the  round-faced 
jolly-looking  Andamanese  being  handsome  as  compared  with  them. 
Owing  to  the  incessant  habit  of  chewing  pawn  their  teeth  are  in- 
tensely  black,  the  incisors  of  the  lower  jaw  often  protruding  in  an 
irregular  manner  like  tusks.  The  tongue,  too,  is  more  or  less  black, 
and  in  the  mouths  of  some  there  appeared  to  be  horny  growths  or 
accumulations,  which  prevented  tbem  closing  their  lips».  Páj.  191. 
Mais  adeante,  páj.  206-207,  escreve :  «They  (the  Nicobarese)  are 
said  to  posses  two  traditions  as  to  their  primary  origin,  the  first 
being  that  they  are  sprung  from  ants,  and  the  second  that  they  are 
descended  from  a  man  and  a  dog — the  sole  survivors  of  a  great 
inundation. 

2  Os  Nicobares  e  os  Bermas  tèem  pontos  étnicos  comuns  inegá- 
veis. Veja-se  o  que  diz  Bali,  l.  c. 


6 


Os  Cara-Quirguizes  do  Issicol  e  Cocande  explicara  o  seu 
nome  étnico  dizendo :  que  descendera  de  cuarenta  rapa- 
rigas (kirk  kize),  as  cuais,  um  dia,  voltando  depois  de 
pequena  ausência  aos  seus  lares,  não  encontrarara  os  pais 
nem  os  rebanhos,  porque  inimigos  lhes  haviam  levado  os 
homens  e  animais ;  que  viram  vmicamente  nas  vizinhan- 
ças um  câo  vermelho,  com  ele  coabitaram  e  daí  provêem 
os  actuais  Quirguizes  pretos^. 

A  estas  lendas  de  homens  cinocéfalos  anda,  de  certo 
modo,  conjunto  o  bárbaro  costume  dos  sacrifícios  humanos 
e  da  antropofajia^,  e  talvez  em  muitos  dos  pontos  a  que 
elas  se  estendem, — desde  a  China  à  Etiópia,  à  Europa, 
à  América — ,  ficasse  subsistente  a  disposição  artificial  dos 
dentes  caninos  aguçados  para  melhor  rasgamento  das  carnes. 

Assim  os  Cubanos  descreveram  os  Caribas  a  Cristóvão 
Colombo,  dizendo-lhe  eram  comedores  de  homens  e  terem 
focinho  de  cão.  Em  lendas  da  Dinamarca  conta-se  dos  ho- 
mens-cães  habitantes  da  Finlândia.  E  também  dos  Belgas 
6  dos  Galos  nos  dizem  os  Padres  da  Igreja  que  eram  an 
tropófagos  ainda  em  tempo  dos  Romanos.  E  dos  Borus, 
antigos  Prussianos,  diz  Ibn-Said  que  eles  eram  homens 
com  focinho  de  cão. 

Entre  alguns  povos  encontra-se  a  lenda  da  orijem  canina 
não  só  duma  tríbu  determinada,  dum  povo  exclusivamente, 
mas  dos  homens  em  jeral. 

Dizem  os  Ainos  que  ao  tempo  em  que  do  lodo  foi  tirado 
o  mundo,  o  vento  e  as  ondas  trouxeram,  de  manhã,  em 
um  navio,  uma  mulher  à  formosa  ilha  em  que  eles  vivem. 
Ura  dia,  estando  a  banhar-se  viu  vir  nadando  apressado 
para  ela  um  grande  cão,  e  ela  assustada  quis  fujir-lhe 
e  esconder-se,  mas  o  cão  disse-lhe :  «Deixa-me  ficar  con- 
tigo, serei  o  teu  companheiro  e  o  teu  defensor,  e  assim  tu 


1  Journal  Âsiatique,  VI  serie,  2,  311 ;  apiid  Liebrecht,  l.  c, 

2  O  canibalismo  dos  Andamanes  está  hoje  contestado  por  viajan- 
tes dignos  de  crédito.  V.  Bali,  op.  c,  páj.  212-213. 


escusas  de  tornar  a  ter  medo».  Ela  consentiu  nisto  e  desta 
ligação  nasceram  os  Ainos,  isto  é,  os  homens  ^. 

Aos  cães  são  substituídos  ainda,  em  algumas  lendas,  os 
lobos ;  e  na  Europa  um  grande  império  teve  principio  com 
os  dois  expostos  amamentados  por  uma  loba,  ou  filhos  de 
uma  loba,  e  fim  com  o  filho  de  um  cão:  Rómulo  e  Remo 
foram  amamentados  por  uma  loba,  como  Ciro  foi  amamen- 
mentado  por  uma  cadela,  e  Átila  descendia  dum  cão. 


Nestas  crenças,  nestas  superstições,  nestas  lendas,  há 
apenas  um  aspeto  do  que  hoje,  em  ciência,  se  denomina 
totemismo.  A  tríbu  ou  a  familia  escolhe  o  tótemo  ou  o  do- 
daime,  como  o  padrinho  ou  a  familia,  entre  nós,  escolhe  o 
nome  do  neófito.  Determina-os  muitas  vezes  o  acaso,  se  a 
tradição  familial  ou  local  ou  ainda  mesmo  a  fantasia  não 
os  resolve  na  escolha.  Outras  vezes  o  individuo  chegado  à 
puberdade  pratica  um  acto  solene  que  afirme  a  sua  eman- 
cipação. Este  acto  é  cuási  sempre  um  sacrificio  em  logar 
ermo.  Depois  de  concluído  o  sacrificio  o  sacrificador  escolhe 
para  seu  tótemo^  para  seu  dodaime,  o  primeiro  animal  que 
passa,  ou  que  ele  veja,  em  sonho  mesmo  que  seja;  e  para 
tornar  mais  solene  esta  crisma,  pica-se  e  deixa  correr  algum 
sangue  do  próprio  corpo. 

Chamei  crisma  a  este  facto  bem  conhecido  já  desde  o 
século  passado  e  confirmado  modernamente  por  etnógrafos 
6  viajantes.  Facto  semelhante  se  pratica  entre  nós:  moços 
de  jente  rude  há  que  desenham  com  picadelas  numa  parte  do 
corpo,  —  costas  das  mãos,  braços,  peito,  principalmente — , 
o  tótemo  pe'Io  cual  ficam  conhecidos  por  toda  a  vida,  a  esse 
facto  dá-se  entre  nós,  nalguns  pontos  do  país,  o  nome  de 
crisma.  Alguém  julga  ser  isto  mera  tatuajem. 


1    Lindan,  Voyage   au  Japon,  ap.  Liebrecht,   Zur  Volkskundcy 
pnj.  10. 


Assim  crismados  os  indivíduos,  natural  é  que,  em  povos 
de  civilização  rudimentar,  tanto  no  Antigo-  como  no  Novo- 
-Mundo,  o  tempo  leve  as  famílias  à  conclusão  de  que  elas 
descendem  do  animal  cujo  tótemo  deu  o  nome  ao  seu  pri- 
meiro avô.  O  ascendente  de  que  a  familia  provém  fica 
sendo,  jeralmente,  um  herói  avito,  sobretudo  se  no  decorrer 
das  jeraçôes  se  chega  a  constituir  tríbu  ou  povo  com  ca- 
racteres assinalados,  ou  pe'lo  menos  povo  denominado  à 
parte  na  mesma  rejião  habitada  por  outros  povos  ou  tríbus. 


A  amamentação  do  herói  por  uma  fera  é  modo  de  ser 
atenuado  da  mesma  crença. 

Em  muitas  lendas,  com  efeito,  os  heróis  são  crianças 
enjeitadas  amamentadas  por  feras,  são  filhos  de  feras  ou 
salvos  por  elas,  e  não  só  entre  os  povos  das  antigas  civi- 
lizações e  de  todo  o  Antigo-Mundo,  mas  até  no  Brasil,  onde, 
entre  os  lucarés,  o  herói  Tiri  foi  um  enjeitado  amamentado 
por  um  jaguar  *. 

Os  Guelfos,  tão  afamados  pelas  suas  guerras  com  os 
partidários  do  senhor  deWiblingen,  os  por  isso  chamados 
Gibelinos,  são  descendentes  de  cães,  de  uma  tímida  mãe 
ou  de  uma  madrasta  cruel,  que  abandonou  as  7  ou  9  crian- 
cinhas enjeitando-as  e  fazendo-as  passar  por  cachorrinhos 
cegos  (cachorrinhos,  Welfe  =  junge  HundeJ'^. 

i)a  mãe  que  tem  7  filhas  a  fio,  sem  intervalo  de  nenhum 
filho  varão,  a  sétima  filha  é  bruxa;  e  se  tem  7  filhos  a  fio 
o  sétimo  é  lobisomem;  assim  crê  o  nosso  povo^. 


*  Consultem-se,  entre  outras  obras,  Miiller,  Americ.  Urrclig.,  já 
citado,  Hanusch,  Slav.  Mylh.,  Tylor,  Wild  Men  and  Beast  Children, 
e  Primitive  Culture,  Liebrecht,  op.  cit,  o  cual  dá  copiosa  biblio- 
grafia. Cf.  o  mito  de  Édipo^  e  a  lenda  de  Simhabáhu. 

2  Liebrecht,  Romulus  und  die  Welfen,  in  JZur  Volk^knd. 

3  Veja-se  Consiglieri  Pedroso,  As  bruxas  na  ti-adiçào  do  nosso 
povo,  in  Positivismo^  2.°  ano. 


9 


Em  algumas  rolijiões  o  cão  é  um  animal  cuási  sagrado. 
Entre  o  nosso  povo  a  língua  do  cão  é  benta;  cura  as  feri- 
das dos  homens  lambendo-as  ;  o  seu  uivar  faz  lembrar  almas 
do  oufro-mundo.  E  os  Arménios  acreditam  em  seres  so- 
brenaturais ou  divinos,  cujo  nome  é  Arlez  ou  Aralez,  nas- 
cidos dum  cão,  os  cuais  lambem  as  feridas  dos  guerreiros 
caídos  no  campo  da  batalha  tornando-os  à  vida*. 

Entre  os  Eraníos  o  cão  merecia  cuidados  especiais  e 
cuási  iguais  aos  que  merecia  o  próprio  homem.  Se  a  criança 
devia  estar  sete  anos  sob  protecção  particular,  protecção 
idêntica  era  devida  ao  eão  durante  os  primeiros  seis  meses. 
Acerca  do  cão  depois  desta  idade  lejísla  o  Avesta  com  por- 
menores tais,  que  o  torna  cuási  igual  ao  homem  ^. 

O  olhar  do  cão  faz  fujir  os  entes  malévolos,  crêem  em 
jeral  os  Árias.  E  comum  à  mitolojía  dos  Árias  o  mito  do 
cão  guarda  do  Inferno.  Ao  Cérhero,  '/.é^^s^oç  da  mitolojía 
grega,  correspondem  nos  monumentos  literários  em  sáms- 
crito  os  dois  cães  de  lama,  de  largas  ventas,  de  cuatro 
olhos  e  mosqueados  ^  guardas  do  paraíso ;  correspondem- 


1  Journal  Asiatique,  IV  serie,  vol.  19,  páj.  31,  ap.  Liebrecht  ut  s. 

^  Veja-se  A.  Hovelacque,  Le  chien  dans  l' Avesta.  Les  soins  quilui 
sont  dus.  Soii  éloge.  Spiegel,  Eranische  Alterthumskunde,  vol.  III,  páj. 
657  segs.  Veja-se  Avesta,  principalmente  Fargarde  XV.  Monsenhor  Ch. 
de  Harlez,  na  Introdução  da  2)rimoi'Osa  tradução  do  Avesta,  o  livro 
sagrado  dos  Zoroastreus,  ed.  de  1881,  páj.  CL,  diz  :  «Le  chien  occupe 
dans  les  lois  mazdéennes  une  place  des  plus  importantes.  Son  ca- 
davre,  an  point  de  vue  des  souillures,  est  traité  comme  celui  de 
Fhomme;  il  est  défendu  de  le  maltraiter  tout  comme  Thomme  et 
les  peines  qui  frappent  Thoríiicide  ne  sont  pas  plus  grandes  que 
celles  prononcées  contre  le  meurtrier  d'un  chien  de  garde».  A  esti- 
ma 8  mesmo  veneração  por  este  animal  distinguem  os  Eranios  dos 
seus  vizinhos  ocidentais  e  de  todos  os  outros  povos  indo-celtas. 

^  Em  sámscrito  o  vocábulo  sarvara  ou  sabala  (e  ainda 
karbara,  karvara,  karbura,  karvura)  significa  «mosquea- 
do» e  diz-se  dos  cães  de  lama.  Está  demonstrado  que  o  vocábulo 
é  o  mesmo  que  o  grego  /isoScpo;.  F.  Benfey,  Védica  und  Verwandtes^ 
149-164,  e  Hermes,  Minos,  Tártaros,  %  4.  M.  Bréal,  Hercule  et  Cacus, 
121,   130;  Weber,  Indische  Studien,   II,   298,  e    Indische   Streifen, 


10 


-lhe  ainda  os  cães  guardas  da  ponte  Chinuate  dos  Parses, 
que  só  dá  passajem  aos  justos,  e  donde  caem  no  ínfimo 
Duzaque  os  maus^. 

ludixtíra,  o  mais  velho  dos  cinco  Pándavas,  os  heróis  da 
extraordinária  epopeia  samscrítica,  o  Mahabárata,  recusa 
a  Indra  a  oferta  do  seu  carro  divino,  e  não  quere  nele 
subir  para  o  suarga  sem  ali  entrar  cora  o  seu  cão.  ^  E  com 
efeito  com  ele  subiu  ao  paraíso  de  Indra,  como  a  lenda 
conta  do  animal  favorito  de  Santo  Antão. 


II,  229  segs.  Terem  estes  dois  cães,  cada  um,  cuatro  olhos,  katur- 
aksa(X,  14,10),  explica-se  como  se  veda  nota  imediata,  por  terem 
as  malhas  amarelas  por  cima  dos  olhos. 

1  James  Dasmesteter,  The  Zend-Avesta  (vol.  IV  dos  Sacred  Books 
of  tlie  East)^  páj.  LXXXVII,  diz:  «The  identity  of  the  Parsi  with 
Kerberos  and  Yama's  dogs  appears,  moreover,  from  the  Parsi  tra- 
dition  that  the  yellow-eared  dog  watches  at  the  head  of  the  ATinvaí 
bridge,  which  leads  from  this  to  the  next  world,  and  with  his  bark- 
ing  drives  away  the  fiend  from  the  souls  of  the  holy  ones,  lest  be 
should  drag  thera  to  hell. 

2  Benfey,  Hermes^  etc,  páj.  9.  Veja-se  o  episodio  em  Ph.Ed.  Fou- 
caux,  Le  Mahãbhãraía.  Onze  épisodts  tires  de  ce  pohme»,  páj.  407 
e  segs. 


I 


II 

Orijem  do  nome  de  Ceilão 

Há  lendas  de  populações  descendentes  do  ajuntamento 
bestial  duma  fera  com  individuo  de  natureza  humana,  cujo 
valor  mitolójico  pode  servir  de  guia  para  o  conhecimento 
histórico  da  orijem  dessas  populações. 

Neste  caso  está  a  lenda  que  explica  o  nome  de  Ceilão 
dado  à  antiga  ilha  de  Tamra,  Tãmra-dvTpa  ou  Tãmra- 
-parna,  contada  pelos  autores  budistas  quer  na  sua  língua 
sagrada,  o  páli,  quer  em  sámscrito,  ou  em  chinês. 

Veremos  logo  estas  lendas ;  digamos  agora  como  Ceilão 
significa  «país,  terra  ou  residência  ou  reino  dos  leões». 

Em  dois  dos  mais  antigos  textos  clássicos  em  sámscrito, 
no  Mahabárata  e  no  Ramáiana,  encontramos  o  vocábulo 
Lankã  designando  a  capital  dos  ferozes  Ráxasas,  cujo 
rei  é,  segundo  o  Ramáiana,  o  terrível  Rávana.  Outro  nome 
também  antícuissimo  é  o  que  se  encontra  no  Harívamsa, 
ratna-dvipa  «ilha  das  cousas  preciosas»  e  que  bem  tra- 
duziram os  Chineses  pe'lo  vocábulo  P'ao-tchu  *. 


^  Stanislas  Julien,  Voyages  des  Pélerins  houddhiques ,   III,   125, 
Cunningham,  Ancient  Geography  of  índia,  páj.  557.  V.  adeante  páj.  31- 


12 


Hiuan-Tsam*,  no  7.°  século,  ainda  emprega,  todavia,  o 
nome  de  Ling-kia  do  sámscrito  Lankã,  mas  para  designar 
apenas  uma  alta  montanha  habitada  por  espíritos  malfa- 
zejos ^  no  ângulo  sueste  do  reino  de  8eng-kia-lo,  em  sáms- 
crito Síhala  «país  dos  leões». 

No  6.°  século,  Cosmas,  o  navegador  ejipcio  nos  mares 
da  índia  —  Indicopleustes,  denomina  a  ilha  de  Ceilão,  na  sua 
«Topographia  Christiana»,  Sielediha;  e  um  dos  nomes  mais 
conhecidos  pelos  navegadores  e  comerciantes  foi  com  efeito 
o  de  SerendivuSj^  Singal-dib^  ou  Sirindih  ou  Serendih^. 

Estas  denominações  são  derivadas  do  vocábulo  páli  si- 
hala-dipo  cuja  forma  samscrítica  é  síhala-dvipa  «ilha 
dos  SímlicãasD  a  ilha  de  Ceilão.  O  vocábulo  dvipa  «ilha», 
dipo  em  páli,  transformou-se  na.  linguajem  dos  Árabes 
em  dyvah^  aldyhah,  como  ainda  se  vê  em  um  documento 
português  do  século  xvi,  bem  que  Fr.  João  de  Sousa 
transcreva  adiha^. 

A  Europa  tinha  chegado  já  antes  dos  Árabes  o  vocábulo 
síhala-dvipa,  porque  Ptolomeu  usa  do  adjectivo  salikê 
designando  todos  os  habitantes  de  Sálai.  Lassen^  identi- 


^  Bem  que  deixe  aos  vocábulos  chins  a  transcrição  usada  pe'lo 
sinólogo  cuja  obra  cito,  escrevo  à  portuguesa  os  nomes  próprios  como 
este  do  célebre  peregrino ;  sigo  nisto  a  nossa  tradição  e  praxe,  tão 
estimada  que  já  mesmo  estranhos  disseram  que  melhor  avisados 
transcrevíamos  por  m  final  o  que  Franceses  e  outros  transcrevem 
por  ng.  Semelhantemente  se  entenda  dos  vocábulos  que  não  forem 
de  lingua  árica;  e  destes,  que  os  reduzo  a  forma  concordante  com  a 
ortografia  deste  escrito,  cuando  os  cito  acomodados  ao  falar  português. 

2  St.  Julien,  op.  cit.,  III,  144.  Sénart,  Essai  sur  la  Legende  du 
Buddha,  231  e  segs. 

'  Ammiano,  XXII,  vii. 

'*  Abu  Rihán,  apud  Cunningham,  op.  cit.^  páj.  558. 

5  Chaines  des  Chroniqves,  páj.  5,  n.°  7,  e  passim,  in  Relations 
des  Voyages  faites  par  les  Árabes  et  les  Persans  dans  Vinde  et  a  la 
Chine  dans  le  IX^  siecle»,  trad.  de  Reinaud,  1845.  Cf.  adeante  i)áj.  74. 

6  Documentos  arábicos  para  a  historia  poriíigueza,  Lisboa,  1790, 
páj.  107  e  segs. 

T  hidische  Alterthumskunde,  2.^  ed.,  I,  241  n. 


1 


13 


fica  este  nome  dado  pe'lo  jeógrafo  grego  a  uma  forma 
abreviada  em  páli  s  Ih  a  la,  significando:  —  (í  Residência 
dos  Simhas,  não  dos  verdadeiros  leões,  mas  dos  guerreiros 
que  para  ali  emigraram  com  Vijaia»,  o  conquistador  indio 
a  quem  se  atribui  a  civilização  búdica  de  Ceilão. 

Mas  confirmando  a  lenda  ^  que  nos  diz  ter  sido  a  ilha 
anteriormente  denominada  Tãmra-parna,  ou  em  páli 
Tamba-panni,  tinha  chegado  ao  conhecimento  de  One- 
sícrito  esta  denominação  anterior  à  de  Sedai,  e  assim  era 
no  ocidente  desde  Alexandre, 

A  nobre  ilha  também  de  Taprobana, 
Já  pelo  nome  antigo  tam  famosa 

L.  X,  foi.  169. 

Do  nome  dos  Simhalas  deu-se  em  páli  à  ilha  o  de  Sl- 
halã,  cuja  forma  vulgar  Sllã^  deu  orijem  às  formas  8ai- 
lán  usada  pe'lo  Persa  Raxid-Eddin  contemporâneo  de  Marco 
Polo,  e  à  usada  pe'lo  mesmo  Polo,  Seilan,  bem  como  à 
nossa,   Ceilão. 

E  notável  ter  Camões  identificado  ^  os  dois  nomes  Cei- 
lão e  Taprobana^  porque  em  1537,  por  equívoco  resultado 
de  má  interpretação  da  jeografía  de  Ptolomeu  pe'la  escola 
de  Behaim  '••,  por  Taprobana  se  entende  a  ilha  de  Çamatra. 

Em  1559,  Jomard,  confunde  ainda  ambos  os  nomes  de 
Çamatra  e  Taprobana,  separando-se  tanto  nos  mapas  deste 
jeógrafo  de  Henrique  II,  como  no  magnífico  portulano  de 


1  Vid.  páj.  17  6  seguintes. 

2  Childers,  op.  cit.^  s.  v.  Cf.  páj.  17  n.  2, 
^  Camões  diz  positivamente : 

Taprobana 

(Que  ora  he  Ceylâo) 

L.  X,  estancia  107. 

e  nisto  faz  ver  que  o  nome  de  Ceilão  é  posterior  ao  de  Taprobana, 
•í  Richthofen,  China,  I,  640  e  segs. 


14 


Carlos  VI,  *  desta  suposta  Taprobana,  a  ilha  de  Ceilão  cujo 
logar  se  marca  com  verdade. 

O  nome  de  Ta-prohana,  ou  em  sámscrito  T  ã  m  r  a  -  p  a  r  n  a, 
é  como  veremos  um  dos  nomes  indios  mais  antigos  que 
se  conhecem  dados  à  ilha  de  Ceilão^.  O  nome  de  Lankã 
parece  ser  aquele  com  que  a  conheceram  já  os  primeiros 
Árias  que  da  índia  para  ali  foram.  Parece  mesmo  fora  de 
dúvida  que  a  ilha  do  Ceilào  foi  conhecida  em  remota  anti- 
guidade anterior  à  conquista  árica.  E  provável  até  que  os 
marinheiros,  enviados  pelos  Cuxitas  e  pe'los  Sabeus  a 
buscarem  as  preciosidades  do  Oriente  para  os  seus  empó- 
rios, tivessem  aportado  a  Ceilão,  e  estabelecido  ali  uma  das 
suas  estações  ^. 

Dos  Símhalas  fala  já  o  Mahabárata  como  habitantes  da 
ilha  ao  sul  da  índia  ^. 

Chiíders^  diz  que  os  Símhalas^  ou  como  hoje  dizemos  os 
Singaleses^  são  «unicamente  os  habitantes  áricos  de  Ceilão, 
descendentes  do  povo  emigrado  de  Lala^  em  Magadá,  na, 


1  Em  poder  do  sr.  Frederico  Spitzer,  cin  Paris — Bichihofen. 

^  Quem  primeiro  demonstrou  ser  Taprobánt  a  forma  grega  da 
samscrítica  foi  Eujenio  Burnouf  em  1834.  A  memoria  por  ele  então 
lida  perante  a  Academia  das  Inscr.  e  B.  Letras  em  Paris  anda  pu- 
blicada no  Journal  Asiatiqtie,  janeiro  1851.  Não  pude  lê-la  porque 
falta  todo  este  ano  na  Bibl.  da  nossa  Academia,  e  nunca  me  veiu 
à  posse  exemplar  do  folheto  separata. 

^  A  ter  o  verdadeiro  valor  liistórico  a  concha  de  madrepérola 
comprada  pelo  sr.  Sayce  no  Ejipto,  poder-se-ia  datar  do  tempo  da 
12.'  dinastia,  e  portanto  cerca  de  2400  anos  antes  de  Cristo,  o  co- 
nhecimento das  pérolas  ceilonenses  no  Ejipto.  (F.  Terrien  de  Lacou- 
perie  in  Tlie  Bahylonian  &  Oriental  Recorcl,  julho  1892,  páj.  11  e 
nota  415  ibi.  V.  mais  a  nota  4  neste  opúsculo  a  páj.  18).  Acerca 
do  comercio  e  navegação  na  mais  remota  antiguidade  cito  ao  leitor 
curioso  apenas  três  obras  de  grande  valor :  Lieblein,  Handel  und 
Schiffart  auf  dem  rotken  Meere  in  alten  Zeiten,  Runbury,  History  of 
Ancient  Geograpliy,  Miss.  Amélia  Edwards,  Pharaohs,  Fellahs  and 
Explorers. 

^  Sa7ishrif  Wcerferhnch,  s.  v. 

^  Páli  Dictionary,  s.  v. 


15 


índia,  e  para  ali  idos  muitos  séculos  antes  da  nossa  era». 
A  capital  de  Lala,  a  Larikê  dos  Gregos,  era  Síha-pura 
«a  cidade  dos  Leões»'. 

Assentados  estes  conhecimentos  históricos,  podemos  dar 
algumas  lendas  búdicas  sobre  a  orijem  da  civilização  árica 
de  Ceilão.  Os  elementos  mitolójicos  que  nelas  se  encontram 
são  comuns  a  outras  lendas  na  Europa  pe'lo  que  é  de  inte- 
resse científico  fazê-las  conhecer. 


^  Lassen,  Indsch.  Altrtmsk,  I.,  105.  Cf.  infra  a  lenda  que  traduzi 
do  Dipavamsa,  IX,  ed.  de  Oldenberg. 


III 


Conquista  da  ilha  de  Lancá  e  fundação  do  novo  reino  Singalês 
ou  dos  Leões  ^ 

1 .  Esta  ilha  de  Lancá  chamou-se  depois  Sihalá^  (s i  h  a  1  ã) 
do  nome  de  si  ha  (leão).  Escutai,  pois,  vós,  a  narração  da 
Bua  orijem,  que  eu  vou  contá-la. 

2.  A  filha  do  rei  de  Vanga  coabitou  na  floresta  com 
um  leão  das  selvas,  em  consecuencia  do  quê  nasceram  dois 
filhos. 

3.  Eram  duas  crianças  formosíssimas  Sihabáhu  e  SivalP; 
tinha  a  mãe  nome  Susimá*  e  chamava-se  o  pai  Siha. 

4.  Passadas  dezaseis  estações  das  chuvas  abalou  da  ca- 
verna, e  fundou  a  nobilíssima  cidade  de  Sihapura^, 

5.  o  filho  de  Siha;  e  poderoso  rei  no  país  de  Lala^  go- 
vernou o  grande  reino  na  nobilíssima  cidade  de  /Sihapura. 


^  Segundo  o  capítulo  IX  da  crónica  páli  Dipavamsa,  edição  de 
Oldenberg,  1879. 

2  Ou  Sihalào  (Sihalã).  Escrevo  em  itálico  unicamente  os  no- 
mes que  interessam  directamente  a  lenda  dos  homens-leões,  ou  para 
os  cuais  deva  chamar  a  atenção  do  leitor. 

'  Veja-se  páj.  27. 

*  «A  perigrina  beleza». 

'sihapura  «cidade  de  siha,  i.  e.,  do  leão». 


18 


6.  Trinta  e  dois  irmãos  foram  a  projenie  do  filho  de 
Siha)  e  destes  os  mais  velhos  foram  Vijaia  e  Sumita'^^  ambos 
de  extraordinária  beleza. 

7.  O  jóven  príncipe  Vijaia  foi  audacioso  e  sem  instru- 
ção, e  praticou  actos  da  maior  perversidade  e  inexcedíveis 
extorsões. 

8.  Reuniram-sc  os  homens  do  tráfico  e  todos  os  do  país, 
e  foram  qucixar-se  ao  rei  dos  crimes  de  Vijaia. 

9.  Ao  owxiv  as  suas  vozes  clamorosas,  o  rei,  tomado  de 
cólera,   ordenou  aos  ministros:  «Expulsai  ôsse  mancebo; 

10.  e  todas  essas  escravas,  mulheres  e  filhos,  e  paren- 
tes, e  servidores  de  ambos  os  sexos,  e  artífices ;  expul- 
se-se  toda  essa  jente.» 

11.  Então  o  expulsaram  separando-o  de  todos  os  paren- 
tes, e  meteram-nos  a  bordo  dum  navio  e  o  navio  singrou 
pè'lo  mar  fora.  i 

12.  «Que  vão  para  onde' os  levo  o  seu  desejo,  e  todos 
para  mais  não  serem  vistos,  nem  voltarem  a  morar  em 
nosso  reino,  entre  este  povo.» 

13.  O  navio  das  crianças  abordou  sem  governo-  a  uma 
ilha,  à  cual  se  deu  o  nome  de  Nagadipa^. 

14.  E  sem  governo  abordou  o  navio  das  mulheres,  a 
uma  ilha  a  que  se  chamou  Mahilãr attha  («reino  das 
mulheres»). 

lõ.  O  navio  dos  homens  correndo  sem  destino  pe'lo 
mar,  perdido  e  sem  rumo,  foi  dar  ao  porto  de  Siijpara'*. 


í  Vi  gaja  «vitoria,  triunfo».  Cf,  Victor.  Sumitta  em  ser.  sumi- 
tra  «bom  amigo»,  Cf.  dummitta,  ser.  dur mitra  <imau  amigo»,  no 
Dipav.,  XXII,  70,  71. 

2 No  texto  lê-se  avassakà  que  Oldenberg  traduziu  «helplessly» 
e  eu  traduzo  «sem  governo»;  morfolójicameute  o  vocábulo  é  em  ser. 
avasjaka. 

3  Naggadipa  =  Nagnadvipa  em  sámscrito?  «Ilha  dos  mis»? 
ou  Nãgadvipa? 

4  O  Editor  do  Indian  Anticfiary,  anotou  neste  ponto  a  tradução  do 
sr.  Donald  Ferguson  do  seguinte  modo: — «See  Inã.  Ant.  vol.  XI, 
pp.  236,  247,  293,  294.  It  is  evident  from  the  meution  of  Bhâruka- 


19 

16.  E  como  desembarcassem  em  Supara  setecentos,  fize- 
ram-lhes  então  os  Supáracas  largo  acolhimento  e  muitas 
honras. 

17.  Ao  passo  que  assim  eram  recebidos,  Vijaia  e  a  sua 
cohorte,  todos  esses  estranjeiros,  praticaram  cruéis  feitos, 

18.  tais  a  embriaguez,  o  roubo,  o  adultério,  a  traição, 
a  aleivosía  e  o  mais  vil,  imoral  e  horrível  modo  de  proceder. 

19.  Irritaram-se  os  Supáracas  com  estes  horrores  de 
inexcedível  crueldade  e  bárbara  selvajaria,  e  resolveram: 
«Vamos  depressa  matar  estes  perversos». 


20  Foi  outr'ora  Ojadipa,  Varadipa,  ouMandadipa,  e  tam- 
bém denominada  Lancadipa,  a  que  se  conhece  por  Tam- 
bapáni  *. 


chchha  (Bharuch)  (V.  26)  along  with  Suppâra,  that  the  Dipavamsa 
places  Lala  on  tlie  west  coast  of  índia  or  in  Gujarat,  and  the  Siih- 
hapura  stated  to  be  the  capital  may  be  Síhor  in  KâthiíWâd,  about 
18  miles  south  of  the  site  of  Valabhi,  and  the  traditional  capital  of 
the  Simha  dynasty.»  A  isto  devo  acrescentar  que  Supara  (Suppara) 
é  um  dos  nomes  de  porto  marítimo  mais  interessantes  para  a  historia 
da  antiga  navegação  ejipcia  e  das  relações  do  Ejipto  com  a  índia. 
O  snr.  Dr.  Tcrrien  de  Lacouperie  (in  The  Babylonian  &  Oriental 
Eecor d,  julho,  1892,  páj.  11)  depois  de  dizer  que  é  possível  que  o 
comercio  do  Egipto  com  Ceilão  existisse  já  ao  tempo  da  XII. "  dinas- 
tia, acrescenta:  «This  sea  trade  was  certainly  active  in  the  seven- 
teenth  century,  as  shown  by  the  Indian  products  and  later  on  they 
seem  to  have  established  colonies  on  the  ludian  coast,  which  they 
probably  denomiuated  by  names  which  recall  tomind  those  of  their 
trading  places  westwards.»  E  em  nota  (417)  dá  exemplos  destes 
nomes:  «Muziris  (mod.  Cranganore)  on  the  Malabar  coast,  and 
Muza,  their  own  emporium  in  the  Red  Sea,  or  perhaps  better,  Mitzir, 
Egypt.  —  Suppara  (mod.  "W  asai,  North  of  Bombay),  and  Zafar,  in 
Yemen,  Zabara  in  the  Persian  gulf,  Sofala  on  the  African  coast, 
ali  probably  colonies  from  Zafar,  the  Safar  of  Gen.  X,  30.» 
i  Em  páli  Tãmbapanni,  como  fica  dito  atrás. 


20 


21.  Naquele  tempo  em  que  Samhuãa^  o  melhor  dos 
homens,  chegou  ao  Parinibana  *^  esse  filho  de  /Sihabáhu, 
o  Catita'^,  Vijaia^ 

22.  chegou  a  Lancadipa,  depois  de  ter  partido  da  terra 
de  Jambudipa  ^.  Tinha  o  excelleute  Buda  profetizado :  « O 
príncipe  será  o  rei  (de  Lancá)». 

23.  Então  o  Mestre  *  disse  a  Saca  ^,  o  Senhor  dos  Deu- 
ses: «não  afastes  o  teu  cuidado,  Cossiia^^  de  Lancadipa». 

24.  Sujámpati,  o  rei  dos  deuses,  depois  de  ouvir  esta 
deprecação  de  Sambuda  encarregou  Upalavana^  de  pro- 
tejer  a  ilha. 

25.  Ouvindo  a  ordem  de  Saca,  o  poderoso  Devaputa' 
com  os  Parisas^  foi  protejer  a  ilha  de  Lancá. 


^  Era  páli  parinibbãna  =  se.  pari  -  uirvãna.  Usa-se 
deste  termo  para  designar  a  morte  do  sábio,  de  Buda,  ou  de  um 
Arhat  «asceta  e  santo  Budista».  Neste  logar  é  de  Sambudha  do 
«Sábio  por  excnlencia»,  aquele  de  quem  propriamente  dizemos 
Buda,  Gáutama  o  Buda. 

~  Khattija,  ser.  ksatrija,  «xatria,  guerreiro,  principe». 

3  Em  ser.  gambudvipa  «o  Sontinente  dos  jambus  (Eugenia 
Jambolana)»,  um  dos  nomes  da  índia,  considerada  como  uma  das  7 
duípas  em  roda  do  Monte  Méru. 

^  Epíteto  de  Gáutama  o  Buda. 

5  Em  páli  sakka  =  se.  sakra  «poderoso»,  epíteto  de  Indra. 

6  K  o  s  i  j  a  em  páli  =  K  a  u  s  i  k  a  em  se.  epíteto  de  Indra. 

''  D  e  V  a  p  u  t  r  a  em  se.  e  em  páli  D  e  va  p  u  1 1  a.  Aos  habitantes 
do  Deva-loka  «paraíso •>  se  atribuem  os  sexos  masculino  e  fe- 
minino. Devaputra  é  um  ente  celestial  do  sexo  masculino.  Aqui  é 
Uppalavanna,  i.  e.  Víxnu,  deus  na  relijiâo  brahmánica,  arcanjo 
na  relijiâo  búdica.  Há  o  arcanjo  do  sexo  feminino  (devadhitã) 
cujo  nome  é  fácil  de  confundir  com  Uppalavanna,  é  Uppal- 
vanná,  name  ofan  eminent  mm  who  was  one  of  Gautama's  aggasávikás 
(Db.  213),  diz  Childers,  s.  v.  u  p  p  a  1  ã,  citando  o  D  h  a  mm  a  -p  a  d  a, 
de  Fausboel.  Podemos  citar  mais  a  crónica,  de  que  vamos  tradu- 
zindo, Dipavãsa  XVII.  9,  e  Vinajapitaka,  Kullavagga,  X, 
8.  Aggasãvikã  em  sámscrito  agrasrãvikã  «principal  discí- 
pula», de  Buda,  como  as  Marias  do  Nazareno.  As  duas  de  Gáutama 
foram  Khemã   e  Uppalavanna,  além  de  outras  secundarias. 

8  Anjos  sob  o  comando  de  um  arcanjo. 


21 


26.  Depois  de  ter  estacionado  em  Barucacha  *  e  exaspe- 
perado  os  habitantes,  Vijaia,  voltou  para  o  navio. 

27.  Entrado  que  foi  com  a  sua  cohorte  a  bordo,  fize- 
ram-se  ao  mar,  e  logo  um  vento  furioso  lhes  fez  perder 
de  vista  as  costas. 

28.  Arribaram  a  Lancadipa,  onde  desembarcaram,  e 
foram  para  terra.  Mas  em  terra  firme  sentiram-se  exaus- 
tos de  fome,  de  sede  e  de  cansaço ;  mal  podiam  andar. 

29.  Foram  de  gatinhas,  com  pés  e  mãos,  e  nestes  entre- 
mentes levantaram-se  e  puseram-se  de  pé  e  viram  as  mãos^ 
resplandecentes. 

30.  O  pó  excessivamente  vermelho  daquela  terra  cobri- 
ra-lhes  os  braços  e  as  mãos ;  e  disto  provém  chamar-se 
aquele  sitio  Tambapanni  2. 

31.  A  primeira  cidade  na  afamada  Lancadipa  foi  Tam- 
hapáni;  e  ali  residente  governou  Vijaia  o  seu  reino. 

32.  Vijaia  e  Vijita  e  com  eles  Anuradanacata,  Achuta- 
gámi  e  Upatissa  foram  os  primeiros  que  vieram  a  estas 
terras  ^. 

33.  Acorreu  grande  multidão  de  homens  e  mulheres,  e 
um  Catiia  (xatria)  levantou  «idades  aqui,  outro  acolá  em 
todo  o  país. 

34.  Vijaia  levantou  a  cidade  de  Tambapáni,  com  suas 
vizinhanças,  na  marjem  sul  do  rio  no  logar  mais  aprazível. 

35.  Vijita  levantou  a  cidade  a  que  deu  seu  nome,  e  ainda 
a  de  Uruvela;  e  o  ministro,  que  do  asterismo  Anurada  tira 
o  nome,  fundou  a  cidade  de  Anurada. 

36.  Aquele  cujo  nome  fui  Achidagámi  fundou  Ujeni, 
Upatissa  a  Upatissa  cidade  de  belas  praças,  opulenta, 
vasta,  de  grande  prosperidade  e  deleitosa. 


1  Veja-se  nota  4  páj.  18-19. 

2  Pãni  em  páli  e  em  sámscrito;  note-se  a  etimolojía  popular, 
tirada  deste  vocábulo  para  Tambapanui,  que  e.screvemos  aportu- 
guesadamente  Tambapáni  nome  da  ilha  de  Taprobana,  como  fica  dito. 

Cf.  Oldenberg,  páj.  56  com  páj.  162. 


22 


37.  Foi  o  primeiro  rei  da  famosa  Lancadipa  o  rei  Vijaia 
em  Tambapáni. 

38-  Passados  sete  anos  do  seu  reinado  tinlia  jiara  ali 
ido  muita  jente.  O  seu  reinado  foi  de  trinta  e  oito  anos. 

39.  Em  o  nono  mês  de  Sambuda  os  lacas  íicaram  des- 
truídos ;  em  o  quinto  ano  de  Sambuda  o  Jina  *  venceu  os 
Nagas'^;  no  oitavo  ano  de  Sambuda  completou-se  a  Samã- 
ppati^. 

40.  Em  todas  estas  três  ocasiões  Tatágata'^  veiu  aqui. 
No  último  ano  de  Sambuda^  Vijaia  veiu  aqui. 


1  É  aqui  Buda. 

'^  I.  e.,  consolidou-se  o  budismo. 

3  Samãpatti  é  um  estado  de  ascetismo  búdico.  Childers,  Dic. 
páli,  s.  V.  explica:  «attainments,  endowments,  which  are  eight  suc- 
cessive  states  induced  by  the  ecstatic  meditation.»  A  explicação 
de  Burnouf  (Z/Ofws  de  la  bonne  loi,  páj.  348-9)  parece-me  exacta: 
A  samã-patti  é  o  estado  moral  a  que  se  chega  pela  s  a  ra  ã  d  h  i  ; 
samãdhi  é  uma  das  condições  pai'a  ser-se  asceta  perfeito,  é  uma 
das  perfeições  desse  asceta;  e  estai  perfeições  são — g  hãna  «a  medi- 
tação pi'ofunda»,  vimokha  «o  libertamente,  desjn-endimento  da 
paixão»,  samãdhi  «traueuilidade  perfeita»,  samãpatti  «o  doce 
gozo,  a  suave  delicia,  a  ventura  calma  e  santo  resultado  das  perfei- 
ções superiores».  É  o  aniquilamento  de  toda  dor  e  de  todo  prazer  de 
toda  sensação  física  e  o  embebecimento  extático  na  contemplação 
indiferente  ao  mundo  exterior.  —  Os  oito  estados  sucessivos  são 
como  que  passajens,  graus  de  aquisição  progressiva  de  cada  uma 
daquelas  perfeições.  Veja^se  em  Burnouf,  Lotus,  páj.  789. 

'»  "Gautama  Buda  frequently  in  the  Suttas  speaks  of  himself  as 
the  Tathágata,  and  the  epithet  is  analogous  to  tliat  of  Son  of  Man 
applied  to  himself  by  Jesus  Christi».  Childers,  Pali  Dict.,  s.  v.  Mas 
quere-me  parecer  que  este  nome  de  Tathãgata,  composto  de 
Tathã-ãgatha  «vindo  assim  (como  os  outi'Os  Budas)»,  significa 
«um  redentor». — Dois  anos  depois  de  eu  haver  escrito  esta  nota  li 
a  páj.  84,  n.  3,  do  tomo  v  da  Revue  de  VHistoire  des  Beligions,  num 
artigo  do  snr.  Kern,  o  seguinte :  Tathãgata  est  manifestement  un 
synonyme  de  sougata  ;  tathâ  a  ici  le  même  sens  que  tathya,  yathâ- 
tathã,  vitatha,  parfait,  ne  péchaut  pas,  et  so)i  signifie  bon.  L'un  et 
Tautre  peut  se  traduire  par  habile,  brave,  vertueux,  de  sorte  que 


23 


41.  Sambudãj,  o  melhor  dos  homens,  tornou  a  ilha  de 
Lancá  própria  ^ara  habitação  de  homens ;  e  pe'la  a  n  u  - 
pãdisesã''^  extinguiu-se  em  todos  os  seus  úpadis  (u p a- 
dhi)^ 

42.  O  Catiia  reinou  trinta  e  oito  anos  depois  do  Pari- 
nihána  de  Samhiida,  o  Senhor  fulgurante  da  verdade; 

43.  e  enviou  a  Sihapura  um  mensajeiro  a  Surnita: 
«Vinde  breve  para  nós  para  esta  magnílica  Lancadipa. 

44.  Não  há  quem  me  suceda  na  governação  depois  da 
minha  morte;  cedo  a  vosso  favor  esta  ilha  que  por  meu 
valor  conquistei». 


Fon  peut  reudre  Tathâgata  et  Sougata  par  impeccable,  qui  ne  faillit 
jamais.» 

Tathâgata  é  com  efeito  aquele  que  «ficou  isento  de  paixão, 
apagou  o  pecado,  e  se  eximiu  à  tentação».  Assim  pois,  ou  o  vocá- 
bulo se  explique  por  uma  forma  ou  por  outra  (que  ambas  conveem), 
Tatãgata  é  pe'lo  ensinamento,  um  redentor. 

■*  Aniquilamento  completo  pe'la  perda  dos  cinco  elementos  do  ser. 

ã  Suhstrata  corporis,  i.  e.,  entrou  em  o  Nibbãna  (Nirvana 
em  sámscrito)  completo,  ou  P  a  r  i  n  i  b  b  ã  n  a . 


IV 

o  príncipe  Simhala  salvo  pe'lo  cavalo  májico  * 

Simhala,  fils  du  marchand  Simlia,  s'étant  embarque  pour 
aller  à  la  recherche  des  pierres  précieuses  dans  une  íle 
eloignée,  est  assailli  en  approchant  de  Tâmradvipa  (la 
même  que  Tâmraparria,  la  Taprobane  des  anciens),  par 
une  tempête  que  soulèvent  les  Râkchasis,  Divinités  mal- 
faisantes  qui  habitent  cette  ile.  II  fait  naufrage  avec  ses 
compagnons,  et  parvient  en  nageant  jusqu'au  rivage,  ou 
paraissent  les  Râkeliasis  qui  sous  la  figure  de  belles  fem- 
mes  entrainent  les  marchands  à  se  livrer  au  plaisir  avec 
elles.  Simhala,  après  avoir  passe  la  nuit  dans  les  bras 
d'une  de  ces  femmes,  apprend  de  la  lampe  qui  les  éclaire, 
qu'il  est  tombe  entre  les  mains  d'une  ogresse  dont  il  sert 
les  plaisirs  et  qui  doit  le  dévorer.  II  est  averti  que  d'autres 
marchands  naufragés  comme  lui  ont  été,  depuis  son  arrivée, 
jetés  dans  une  prison  d'oíi  les  Râkchasis  les  tirent  chaque 
jour  pour  se  repaitre  de  leur  chair.  Instruit  par  les  révé- 
lations  de  la  lampe,  il  se  rend  avec  ses  compagnons  sur  le 
rivage,  oii  lui  apparait  un  cheval  miraculeux  qui  doit  le 


^  Lenda  búdica  àcêrca  da  orijem  do  nome  de  Ceilão.  Redacção 
sucinta  de  Landresse,  tirada  do  texto  de  Hiuan-Tsam,  apud  Burnouf, 
Introduction  à  VHistoire  du  Bnddhisme,  1."  ed.,  páj.  223  e  segs.  Cf. 
neste  opúsculo  páj.  35  e  segs. 


26 


transportei'  hors  de  File.  Mais  il  faut  qiril  se  garde  de 
retourner  la  tête  en  arrière;  celui  qui  se  laissant  toucher 
par  les  larmes  des  Râkchasis,  jettera  un  seul  regard  sur  le 
rivage,  est  condamné  à  tomber  dans  Tocéan,  ou  Tattendent 
les  ogresses  pour  le  mettre  à  inort.  Les  compagnons  de 
Simhala  consentent  de  grand  coeur  à  quitter  l'ile  avec  lui; 
mais  infidèles  à  leurs  promesses,  ils  prêtent  Toreille  aux 
plaiiites  des  femmes  qu'ils  abandonneut,  et  disparaisent 
Tun  après  Tautre,  devores  par  les  Râkchasis.  Simhala  seul 
échappe ;  et  malgré  les  poiírsuites  de  la  femrae  qu'il  a 
laissée  dans  rile,  le  cheval  merveilleux  le  transporte  dans 
rinde. 

La  Rakchasi  aux  mains  de  laquelle  Simhala  vient  d'échap- 
per,  séduit  le  roi  Simhakêçarin,  et  penetre  dans  ses  appar- 
tements  intérieurs.  Secondée  par  les  autres  démons  qu'elle 
appelle  de  Tile  Tâmradvípa,  elle  devore  le  roi  et  sa  fa- 
mille.  Simhala,  qui  seul  sait  expliquer  ce  desastre,  est 
proclame  roi;  et  il  prend  la  résolution  d'aller  anéantir  les 
Râkchasis  de  File,  pour  y  répandre  le  culte  desTrois  objecta 
précieux.  Les  demons  se  retirent  dans  une  forêt ;  et  à  par- 
tir de  cet  événement,  le  pays  nommé  autrefois  Tâmradvípa 
prend  le  nom  de  Simhaladvipa. 


Completa-se  esta  lenda  com  a  segiiinte  pe*la  cual  sabe- 
mos a  orijem  dos  Simhalas. 


Orijem  do  reino  de  Simha  (Leão)  segundo  o  Mahavamsa  * 

Era  unia  vez  um  rei  que  governava  em  Banganágara 
na  terra  dos  Bangas,  e  cuja  mulher  era  filha  do  rei  de 
Calinga.  Tinham  eles  uma  filha  mui  formosa  que  um  dia, 
andando  a  passear  sozinha,  encontrou  uma  caravana,  que 
seguia  viajem  para  Magadá,  e  a  acompanhou  incógnita. 
Chegados  à  terra  de  Lala  foram  os  viajantes  separados  uns 
dos  outros  por  um  leão. 

A  filha  do  rei,  lembrando-se  estar-lhe  profetizado  que 
ela  havia  de  coabitar  com  um  rei  dos  animais,  acariciou 
o  leão,  e  este  levou-a  para  a  caverna,  e  ali  nasceram  dam- 
hos  um  filho  com  pés  e  mãos  de  leão  e  uma  filha.  A  mãe 
então  deu-lhes  os  nomes  de  Simhabáhu  «braços  de  leão» 
e  Simhavali  «vergontea  de  leão». 

Quando  o  filho  completou  dezaseis  anos  contou-lhe  a 
mãe  a  sua  orijem;  e  ele  aproveitando-se  da  ausência  do 
leão  tomou  a  mãe  e  irmã  às  costas,  e  levou-as  para  uma 
aldeia  vizinha  onde  Anura,  filho  de  um  seu  tio  materno, 
comandante  em  chefe  dos  exércitos  de  Banga,  estava  en- 
carregado de  vijiar  os  trabalhos  dos  habitantes  da  aldeia. 


^  Lassen,  Indische  Alterthumskunde,  2.'  ed.,  vol.  II,  páj.  103  e  segs. 
Cf.  neste  opúsculo  páj.  31  e  segs. 


28 


Kecebeu-os  o  tio  em  casa,  e  vestiu-os,  e  dcu-lhes  de 
comer  em  folhas  de  árvores.  Os  vestidos  tornaram-se  logo 
de  riquíssimos  tecidos,  e  as  folhas  mudaram-se  em  vasos 
de  ouro.  Estupefacto  deante  de  tais  maravilhas  perguntou 
aos  hóspedes  de  que  estirpe  eram  descendentes,  o  que  a 
mãe  logo  lhe  contou.  Levou-os  ele  então  para  a  capital  de 
Banga  e  tomou  a  menina  para  sua  mulher. 

Quando  o  leão  voltou  à  caverna,  procurou  os  filhos,  e 
como  os  não  achasse  entrou  pe'las  aldeias  afiijentando  os 
moradores.  Estes  foram  queixar-se  ao  rei  fazendo-lhe 
ver  o  perigo  que  corriam.  Como  ò  rei  não  encontrasse 
ninguém  capaz  de  agarrar  o  leão,  por  duas  vezes  ordenou 
que  se  desse  recompensa  mais  subida  a  quem  lhe  desse 
caça.  Duas  vezes  a  mãe  de  Simhabâhu  prohibiu  a  este  que 
se  envolvesse  no  negocio ;  mas,  à  terceira,  Simhabâhu  ofe- 
receu-se,  sem  pedir  primeiro  o  consentimento  à  mãe,  e  o  rei 
prometeu  dar-lhe  o  reino  se  ele  conseguisse  prender  o  leão. 

Simhabâhu  foi  então  procurar  o  leão  na  caverna,  atra- 
vessou-o  com  uma  frecha  e  voltou  para  a  capital  do  reino 
com  a  cabeça  da  fera.  O  rei  tinha  morrido,  sem  sucessão, 
havia  sete  dias.  Os  ministros,  conhecedores  de  que  ele  era 
neto  do  rei  e  sua  mãe  a  filha,  e  maravilhados  por  tal  feito, 
reuniram-se  em  conselho,  e  unânimes  solicitaram-lhe  que 
fosse  ele  o  rei ;  Simhabâhu  aceitou  o  reinado,  mas  cedeu 
o  reino  ao  que  fosse  marido  de  sua  mãe,  e  regressou  com 
a  irmã  ao  país  natal.  Ali  fundou,  no  reino  de  Lala,  a  ci- 
dade de  Simhapura  e  aldeias  pe'los  descampados,  e  casou-se 
com  a  irmã.  Esta  teve  dezaseis  vezes  filhos  jemeos,  dos 
cuais  Vijaia  foi  o  mais  velho  e  o  segundo  Swnitra,  e  ao 
mais  velho  nomeou  o  pai,  cuando  ele  chegou  à  idade  com- 
petente, uparaja  («príncipe  herdeiro»). 


Esta  lenda  tem  evidentemente   analojía   muito  notável 
com  a  de  Édipo. 


29 


A  lenda  de  Simhabáhii  foi  também  conhecida  pe'io  Pe- 
regrino chinês.  Hiuan-Tsam  *  relata-a  no  livro  XI  cuando 
trata  do  Reino  de  Seng-Kia-Lo  (transcr.  de  Stanislas 
Julien),  i.  e.,  de  Si h ala. 

Aqui  reproduzimos  essa  lenda  e  por  inteiro  a  lenda  dos 
Raxasis  e  do  cavalo-májico,  em  linguajem  francesa  pe'Ia 
autoridade  do  grande  sinólogo.  ♦ 


1  Mémoires  sur  les  Contrées  Occidentales,  traduits  du  sanscrit  ea 
chinois,  en  Tan  648  par  Hiouen-Thsang  et  du  chinois  en  français 
par  M.  Stanislas  Julien,  TI,  1"25-140. 


VI 


Origem  do  reino  de  Simhala 
A  lenda  das  Raxasis  e  do  Cavalo- májico  segundo  Hiuan-Tsam 

Dans  rorigine,  ce  royatime  s'appelait  P'ao-tchou  *,  parce 
qu'on  y  trouvait  beaucoup  de  clioses  précieuses;  des  dé- 
mons  et  des  esprits  y  avaient  fixe  leur  séjour. 

Dans  la  suite  des  temps,  il  y  eut  un  roi  de  Tlnde  mé- 
ridionale  dont  la  filie  avait  été  fianeée  à  un  prince  d'un 
Etat  voisin.  Un  jour  lieureux,  comme  elle  se  rendait  en 
cortège,  auprès  de  son  époux,  elle  rencontra  un  lion  au 
milieu  de  la  route.  Les  gens  qui  formaient  son  escorte 
Fabandonnèrent  pour  écliapper  au  danger.  Restée  seule 
sur  son  char,  elle  aurait  été  heureuse  de  quitter  la  vie. 
En  ce  moment,  le  roi-lion  prit  la  jeune  filie  sur  son  dos 
et  disparut.  II  s'enfonça  dans  les  gorges  des  montagnes, 
et  se  fixa  dans  de  sombres  vallées.  II  prenait  des  cerfs  et 
cueillaitdes  fruits,  et  la  nourrissait  suivant  les  saisons.  Après 
un  certain  nombre  de  móis  et  d'années,  elle  mit  au  monde 
un  garçon  et  une  filie.  Pour  le  corps  et  la  figure,  ils  res- 
semblaient  à  des  hommes ;  mais  ils  avaient  le  naturel  des 
betes  fauves.  Le  garçon  grandit  peu  à  peu ;  il  était  telle- 


*  Le  mot  P'ao-tchou  (Ratnadvipa)  signifie  «rile  des  choses  pré- 
cieuses». Les  auteurs  cliiiiois  mentioniieiit  le  cristal  de  roclie,  les 
perles,  etc.  qu'on  tirait  de  Ceilan. 


32 


ment  fort,  qu'il  domptait  les  animaux  féroces.  A  Tâge  de 
vingt  ans,  il  se  sentit  tout  à  coup  éclairé  par  rintelligence 
humaine.  II  interrogea  alors  sa  mère,  et  lui  dit: 

«Que  suis-je?  Mon  père  est  une  bete  sauvage,  et  ma 
mère  est  une  femme!  Puisque  vous  n'ótiez  point  de  la 
même  espèce,  comment  avez-vous  pu  vous  unir  ensemble?» 

La  mère  raconta  alors  à  son  fils  son  ancienne  aventure. 
«Les  hommes  et  les  animaux,  dit  le  fils,  ont  des  voies 
diííérentes;  il  faut  nous  enfuir  au  plus  vite.» 

—  « Je  m'étais  déjà  enfuie,  repartit  la  mère,  mais  je  n'ai 
pu  subvenir  seule  à  mes  besoins.» 

Depuis  ce  moment,  le  fils  suivit  le  lion,  son  père ;  il  gra- 
vissait  des  montagnes,  franchissait  de  hauts  sommets,  et 
observait  ses  courses  et  ses  gites  habitueis  pour  échapper 
au  danger. 

Ayant  épié  un  jour  le  départ  de  son  père,  il  prit  sur  son 
dos  sa  mère  et  sa  soeur,  descendit  avec  elles  et  courut  dans 
un  village.  «Mes  enfants,  dit  la  mère,  il  faut  que  chacun 
de  vous  garde  un  profond  secret ;  ne  divulguez  point  votre 
origine,  car  si  quelqu'un  venait  à  Tapprendre,  on  nous  re- 
pousserait  avec  mépris.» 

Là-dessus,  elle  se  rendit  dans  le  royaume  de  son  père ; 
mais  ce  royaume  n'appartenait  plus  à  sa  famille,  et  les  sa- 
crifices  de  ses  aneêtres  étaient  éteints.  Elle  se  refugia  alors 
dans  un  village.  Les  habitants  lui  dirent:  «De  quel  royau- 
me êtes-vous?» 

—  «Je  suis,  dit-elle,  originaire  de  ce  royaume.  Après 
avoir  longtemps  erre  dans  des  contrées  étrangères,  j'ai 
voulu  revenir  avec  mes  enfants  dans  mon  pays  natal.» 

Tous  les  hommes  furent  émus  de  pitié,  et  leur  founii- 
rent,  tour  à  tour,  de  quoi  subsister.  Quand  le  roi-liou  fut 
revenu,  il  ne  trouva  plus  personne.  Pensant  avec  affection 
à  son  fils  et  à  sa  filie,  il  se  sentit  transporto  de  colère  et 
de  rage.  II  sortit  aussitôt  des  montagnes  et  des  vallées, 
et  parcourut,  en  tous  sens,  les  bourgs  et  les  villages.  Pous- 
sant  d'aífreux  rugissements,  il  se  dóchaínait  avec  fureur  sur 
les  hommes  et  immolait  les  créatures  vi  vantes.  Les  habi- 


tants  des  villages  sortirent  tout  à  coup  pour  le  prendre  et 
le  tuer.  S'armant  d'arcs  et  de  javelots,  ils  se  réunirent  en 
troupe,  au  bruit  du  tambour  et  des  conques  marines,  alin 
d'échapper  au  danger  qui  les  menaçait.  Le  roi  oraignit  que 
rinfluence  de  son  hunianité  iie  fút  pas  assez  répandue.  II 
organisa  alors  une  grande  cliasse  pour  prendre  le  lion.  II 
se  mit  lui-même  à  la  tête  des  quatre  corps  d'armée.  Ses 
troupes,  qui  se  comptaient  par  dizaines  de  mille,  investi- 
rent  les  bois  et  les  jongles,  et  franchirent  les  montagnes 
et  les  vallées. 

Conime  le  lion  poussait  d'affreux  rugissements,  les  hom- 
mes  et  les  animaux  ^  s'enfuirent  épouvantés. 

Le  monstre  n'ayant  pu  être  pris,  le  roi  fit  aussitôt  un 
nouvel  appel  au  peuple,  promettant  à  celui  qui  capturerait 
le  lion  et  délivrerait  son  royaume  de  ce  íléau,  de  le  com- 
bler  de  recompenses,  et  de  signaler  avoc  éclat  cet  exploit 
glorieux. 

Dès  que  le  fils  du  lion  eut  entendu  proclamer  ce  décret 
du  roi,  il  parla  ainsi  à  sa  mère:  «Nous  souíFrons  trop  de 
la  faim  et  du  froid ;  il  faut  que  je  reponde  à  Fappel  du 
souverain;  peut-être  obtiendrai-je  de  quoi  vous  soulager 
et  vous  nourrir.» 

—  «Ne  parlez  pas  ainsi,  repartit  sa  mère ;  quoique  ce- 
lui-là  soit  un  animal,  cependant  c'est  votre  père.  Pour- 
riez-vous,  à  cause  de  la  misère  qui  nous  accable,  lever 
contre  lui  un  bras  dénaturé? 

—  «Les  hommes  et  les  animaux,  répondit  de  fils,  sont 
d'une  espèce  différente :  ou  est  Tobligation  d'observer  ici 
la  justice  et  les  rites?  Puisque  j'y  vois  un  empêchement 
absolu,  que  pourrais-je  espérer  de  ces  beaux  sentiments?» 

A  ces  mots,  il  cacha  dans  sa  manche  un  poignard,  et 
sortit  pour  aller  répondre  à  Fappel  du  roi.  Dans  ce  mot 
ment,  mille  soldats  et  dix  mille  cavaliers  étaient  rassem- 


^  Os   cavalos   e   os    elefantes   de  que   se  compuuha  o  exércit-; 
do  rei. 


34 


blés  en  foule  ^  Le  lioD  était  accroupi  au  milieu  de  la  forêt, 
et  personnc  n'osait  rapproelier.  Le  fils  s'étaiit  avance  en 
face  de  son  père,  celui-ci  s'adoucit  aussitôt  et  se  couelia, 
et,  par  un  sentiment  d'aíFection  profonde,  il  oublia  toute 
sa  fureur.  Le  fils  lui  plongea  alors  son  poignard  dans  le 
coeur;  mais  il  conserva  encore  la  même  tendresse,  et  ne 
montra  ni  haine  ni  colère ;  et  quand  son  ventre  eut  été  ou- 
vert,  il  expira  au  milieu  des  plus  cruelles  souíFrances. 

Le  roi  s'écria:  «Quel  est  cet  homme,  qui  fait  des  cho- 
ses  si  extraordinaires?» 

Séduit  par  des  premesses  de  fortune  et  ébranlé  par  la 
crainte  du  malheur,  il  raconta  son  histoire  de  point  en 
point,  et  exposa  la  vérité  dans  tous  ses  détails. 

«Quelle  eonduite  impie!  s'écria  le  roi.  S'il  a  osé  tuer 
son  père,  à  plus  forte  raison  (tuerait-il)  des  étrangers^. 
Les  animaux  sauvages  sont  difficiles  à  apprivoiser,  et  leurs 
instmcts  féroces  se  réveillent  aisément.  En  arrachant  mon 
peuple  à  la  mort,  il  a  certainement  rendu  un  grand  ser- 
vice ;  mais,  en  trancliant  les  jours  de  son  père,  il  a  com- 
mis  une  odieuse  rébellion.  Je  lui  accorderai  une  grande 
recompense  pour  payer  ses  exploits,  et  je  Texilerai  au 
loin  pour  punir  son  crime.  Alors  les  lois  du  royaume  ne 
seront  point  violées,  et  le  roi  n'aura  pas  manque  à  sa 
parole.» 

Là-dessus,  il  fit  équiper  deux  grands  vaisseaux,  ou  Ton 
embarqua  une  quantité  de  vivres.  La  mère  resta  dans  le 
royaume  et  Fon  pourvut  à  tous  ses  besoins,  pour  recom- 
pense du  service  rendu.  Le  fils  et  la  filie  montèrent  cha- 
cun  sur  un  des  navires,  et  s'abandonnèrent  au  gré  des 
flots.  Le  vaisseau  du  fils,  après  avoir  vogue  quelque  temps, 
aborda  dans  cette  íle  de  P'ao-tchou.  Voyant  qu'elle  abon- 


1  Littéralement :  étaient  rassemblés  comme   des  nuages,  reunis 
comme  des  vapeurs. 

2  En   chinois, — pairem   ipsum  occidit,   multo  magis  non-consan- 
guineos. 


35 


dait  en  pierres  précieuses  *,  il  prit  le  parti  de  s'y  établir. 
Dans  la  suite,  des  marchands  revinrent  dans  cette  ile  pour 
recueillir  des  pierres  précieuses.  II  tua  le  clief  des  mar- 
chands, et  retint  leurs  fiis  et  leurs  filies.  Ce  fut  de  cette 
façon  qu'il  niultiplia  se  race.  Sa  postérité  étant  devenue 
fort  nombreuse,  le  peuple  nomma  un  prince  et  des  minis- 
tres pour  gouverner  les  hommes  d'un  ordre  supérieur  et 
des  classes  infimes.  Le  roi  fonda  une  capitale,  fit  bâtir  des 
villes,  et  se  rendit  maitre  de  tout  le  territoire.  Comme  le 
premier  auteur  de  sa  famille  avait  pris  un  lion,  il  donna  à 
son  royaume  un  nom  dérivé  de  cet  ancien  exploit^. 

Le  vaisseau  qui  portait  la  jeune  filie  aborda  à  Touest 
de  Po-la-sse  «la  Perse».  Ayant  eu  commerce  avec  des  es- 
pritB  et  des  demons,  elle  mit  au  monde  un  grand  nombre 
de  filies ;  de  là  vient  le  nom  actuei  de  royaume  des  femmes 
d'Occident.  Cest  pourquoi  les  hommes  du  royaume  du  lion 
sont  de  petite  taille  et  de  couleur  noire.  lis  ont  le  menton 
carré  et  le  front_large;  leur  caractere  est  farouche,  et  ils 
se  livrent  de  sang-froid  aux  actes  les  plus  cruel.  Ces  hom- 
mes descendent  pareillement  d'une  bete  féroce ;  aussi  sont- 
ils  la  plupart  forts  et  courageux.  Telle  est  du  moins  Tune 
des  opinions  recues. 

Voici  ce  que  rapportent  les  mémoires  bouddhiques  ^. 
«Jadis  cette  ile  de  P'ao-tchoii  (Eatnadvipa)  était  habitée 


'  II  y  a,  en  chinois,  Tchin-yu  «du  jade  précieux»,  dans  le  genre 
du  jade  nuancé  de  blanc  et  de  noir  qu'on  tirait  du  pays  de  Lan- 
thien  (Pe'i-u-en-ynn-fou,  liv.  XCI,  foi.  33).  Mais  comme  les  auteurs 
chinois  citent  particulièrement  le  cristal  (Choui-tchangJ  et  les  pier- 
res précieuses  (P'ao-ch{J  de  Ceylan,  je  crois  qu'il  vaut  mieux  em- 
ployer  ici  le  terme  general  àe  pierres  précieuses. 

2  II  Tappela  Sinhala,  non  forme  de  Sinha  «lion»  et  de  lâ  «pren- 
dre»5  en  chinois,  Tchi-sse-tseu-loue  «le  royaume  de  celui  qui  a  pris 
un  lion )) . 

^  Littéralement :  la  loi  du  Bouddha  rapporte,  c'est-à-dire,  voici 
ce  que  rapportent,  à  ce  sujet,  les  mémoires  qui  traitent  de  la  loi  du 
Bouddha. 


par  cinq  cents  filies  de  Lo-ihsa  *  (des  Râkchasis^,  qui  occu- 
paient  une  grande  ville  construite  en  fer.  Au  sommet  d'un 
pavillon  qui  doininait  les  murs,  elles  avaient  dressé  deux 
drapeaux  d'une  grande  hauteur,  pour  signaler  les  événe- 
ments  heureux  ou  malheureux.  Selon  qu'ils  étaient  favo- 
rables  ou  funestes,  on  voyait  s'agiter  le  drapeau  d'lieureux 
ou  de  sinistre  augure.  Elles  épiaient  constamment  les  mar- 
chands  qui  abordaient  dans  Tile  de  P'ao-tchou,  et,  se  cban- 
geant  en  femmes  d'une  grande  beauté,  elles  venaient  au- 
devant  d'eux  avec  des  fleurs  odorantes  et  au  son  des  In- 
struments de  musique,  leur  adressaient  des  paroles  bienveil- 
lantes  et  les  attiraient  dans  la  ville  de  fer.  Alors  elles  leur 
cifrai ent  un  joyeux  festin  et  se  livraient  au  plaisir  avec 
eux ;  puis  elles  les  enfermaient  dans  une  prison  de  fer  et 
les  mangeaient  Tun  après  Fautre. 

«A  cette  époque,  il  y  eut  un  grand  clief  de  marchands 
de  rinde,  nommé  Seng-kia,  dont  le  fils  s'appelait  Senç' 
kia-lo  (Sinhala).  Son  père  étant  devenu  vieux,  il  dirígea, 
à  sa  place,  les  aífaires  de  sa  maison.  Un  jour,  il  s'embar- 
qua  avec  cinq  cents  marchands  pour  aller  recueillir  des 
pierres  précieuses,  et,  poussé  par  les  vents  et  les  flots,  il 
arriva,  par  hasard,  dans  Tile  de  P'ao-tchou. 

«En  ce  moment,  les  Râkchasts  voyant  s'agiter,  dans  le 
lointain,  le  drapeau  d'heureux  augure,  allèrent  au-devant 
d'eux  avec  des  fleurs  odorantes  et  des  Instruments  de  mu- 
sique, et  les  attirèrent  dans  la  ville  de  fer.  Le  chef  des 
marchands  j  ayant  rencontré  la  reine  des  RâkchasiSj  se 
livra  avec  elle  à  la  joie  et  au  plaisir.  Les  autres  marchands 
prirent  chacun  une  compagne,  et,  au  bout  d'un  an,  ils  eurent 
tous  un  fils.  Les  Râkchasis  s'étant  dégoútées  de  leurs  ma- 
ris,  voulurent  les  enfermer  dans  la  prison  de  fer,  et  épiè- 
rent  encore  d'autres  marchands. 


*  Lo-thsa  est  la  transcription  de  Bakchas,  sorte  de  démon.  i?â- 
kchasi  est  le  féminiu  de  Rakchas  (Wilson). 


«En  ce  moment,  Seng-kia-lo  (Sinhala)  eut,  la  nuit,  un 
mauvais  soiige,  et,  reconnaissant  qu'il  n'était  pas  d'heureux 
augure,  il  chercha  à  s'en  retourner.  Etant  arrivé,  par  ha- 
sard,  à  la  prison  de  fer,  il  entendit  des  cris  lamentables.  II 
monta  aussitôt  sur  un  arbre  élevé.  «Qui  est-ce  qui  vous 
tient  enehainés,  demanda-t-il,  et  pourquoi  poussez-vous  ces 
plaintes  douloureuses?» 

—  «Vous  ne  savez  donc  pas,  répondirent  les  marchands, 
que  les  femmes  qui  liabitent  cette  ville  sont  toutes  des 
Eâkckasís?  Jadis  elles  nous  ont  attirés  dans  Ia  ville  pour 
y  goúter  le  plaisir;  mais,  lorsque  vous  alliez  arriver,  elles 
nous  ont  jetés  dans  une  obscure  prison,  et  nous  dévorent 
Tun  après  Tautre.  Plus  de  la  moitié  a  déjà  péri;  sous  peu, 
vous  et  vos  compagnons  subirez  aussi  le  même  malheur.» 

—  «Par  quel  stratagème,  reprit  Seng-kia-lo  (Sinhala), 
pourrons-nous  échapper  à  cet  afíí'eux  danger?» 

—  «Nous  avons  appris,  répondirent-ils,  que,  sur  le  bord 
de  la  mer,  il  y  a  un  cheval  divin,  et  que,  si  un  homme  le 
prie  avec  une  sincérité  parfaite,  il  ne  manque  jamais  de  le 
passer  à  Tautre  rive.» 

«A  ces  mots,  Seng-kia-lo  (Siiihala)  dit  secrètement  aux 
marchands:  «Regardez  tous  ensemble  vers  le  rivage  de 
la  mer,  et  implorez  son  secours  avec  ferveur.» 

«Au  même  instaut,  le  cheval  divin  arriva,  et  leur  dit: 
Que  chacun  de  vous  saisisse  ma  crinière,  sans  regarder 
derrière  lui;  je  vous  ferai  traverser  la  mer.  Après  avoir 
échappé  au  danger,  vous  reverrez  le  Tchen-jpou-tcheou 
(Djamboudvípa),  et  vous  arriverez  heureusement  dans  vo- 
tre  royaume  natal. » 

«Les  marchands  obéirentà  ses  ordres,  et,  s'y  appliquant 
uniquement,  sans  partager  leur  attention,  ils  saisirent  sa 
crinière.  Le  cheval  divin  s'élança  au  milieu  des  nuages, 
traversa  la  mer  et  arriva  au  bord  opposé. 

«Les  Râkchasis  s'aperçurent  sur-le-champ  de  la  fuite  de 
leurs  époux,  et  se  demandèrent  entre  elles  avec  surprise 
comment  ils  avaient  pu  s'echapper.  Chacune  d'elles  prit 
son  fils,  et  se  mit  à  parcourir  les  airs.  Sachant  que  les 


38 


marcliands  allaient  bientôt  quitter  Ic  rivage  de  la  mer, 
elles  se  concertèrent  ensemble,  et,  d'un  vol  rapide,  elles 
allèreiít  les  chercher  au  lion.  En  moins  d'une  heure,  elles 
rencontrèrent  les  marcliands,  et  les  abordèreut  les  yeux 
en  larmes,  avec  un  sentiment  de  douleur  et  de  joie.  Alors, 
cachant  leurs  pleurs,  elles  leur  dirent :  «Nous  vous  retrou- 
vons  avec  une  douce  émotion,  et  nous  sommes  heureuses 
de  nous  reunir  à  nos  époux.  Depuis  longtemps,  chaque 
couple  vivait  heureux  et  goútait  les  douceurs  dun  amour 
mutuei;  mais  aujourd'liui  vous  vous  éloignez  et  nous  lais- 
sez  dans  Tabandon.  Vos  épouses  restent  veuves  et  vos  fils 
orphelins!  Qui  pourrait  supporter  la  douleur  qui  nous  ac- 
cable?  Veuillez,  de  grâce,  arretei*  sur  nous  vos  regards, 
et  retourner  avec  nous  dans  la  ville.»  Mais  les  marchands 
ne  consentirent  pas  encore  à  revenir  sur  leur  résolution. 

«Les  Râkchasts^  voyant  leurs  paroles  inu tiles,  eurent 
recours  aux  plus  habiles  flatteries,  et  dóployèrent  les  plus 
pérfidos  séductions. 

«Les  marchands,  toujours  pleins  de  tendresse  et  d'atta- 
cbement,  éprouvèrent  une  émotion  difficile  à  surmonter. 
Au  fond  du  coeur,  ils  hésitaient  à  partir  ou  à  rester ;  mais, 
à  la  fin,  ils  succonibèrent  tous.  Les  Bãkchasis  se  félicitè- 
rent  mutuellement  de  leur  succès.  Elles  donnèrent  la  main 
aux  marchands,  et  s'en  revinrent  avec  eux.  Seng-kia-lo 
(Sinhala),  qui  était  doué  d'un  esprit  ferme  et  d'une  intelli- 
gence  profonde,  ne  laissa  pas  enchainer  son  coeur.  II  put 
ainsi  traverser  la  vaste  mer  et  échapper  au  danger.  Dana 
ce  moment,  la  reine  des  Rãkchasis  étant  revenu  seule  dans 
la  ville  de  fer,  les  autres  femmes  lui  dirent:  «Vous  êtes 
dénuée  de  prudence  et  d'adresse,  et,  en  effet,  vous  voilà 
abandonnée  de  votre  époux.  Puisque  vous  avez  si  peu  de 
talent  et  de  capacite,  il  ne  convient  pas  que  vous  demeu- 
riez  ici». 

«La  reine  des  Rãkchasis  prit  alors  son  fils,  et  se  rendit 
en  toute  hâte  auprès  de  Seng-kia-lo  (Sinhala).  Elle  déploya 
toutes  ses  caresses  et  ses  séductions,  et  le  pria  tendrement 
de  revenir  avec  elle.  Mais  Seng-kia-lo  (Sinhala)  prononça 


bll 


des  paroles  magiques,  et,  brandissant  uii  glaive  acéré,  il 
lui  dit  d'un  ton  courroucé:  «Vous  êtes  une  Râkchasí,  et 
moi  je  suis  un  homme !  Les  hommes  et  les  démons  ont 
des  voies  diíférentes;  vous  ne  pouvez  être  mon  épouse.  Si 
vous  me  fatiguez  encore  par  vos  instances,  je  vous  tran- 
cherai  la  tête». 

La  EâkchasZj  reconnaissant  Tinutilité  de  ses  séductions, 
s'élança  dans  les  airs  et  disparut.  EUe  se  rendit  dans  la 
maison  de  Seng-kia-lo  (Sinhala),  et  dit  à  Seng-kia  (Sinha), 
son  père :  « Je  suis  la  filie  d'un  roi  de  tel  royaume ;  Seng- 
kia-lo  (Sinhala)  m'a  épousée,  et  je  lui  ai  donné  un  fils. 
Nous  retournions  dans  mon  royaume  natal,  chargés  d'objects 
précieux;  mais,  en  voguant  sur  les  mers,  nous  avons 
été  assaillis  par  la  tempête,  et,  après  une  navigation  des 
plus  périlleuses,  c'est  à  grand'  peine  que  moi,  mon  fils  et 
Seng-kia-lo  (Sinhala),  nous  avons  pu  aborder  au  rivage. 
Arrêtée  sur  ma  route  par  les  montagnes  et  les  rivières, 
mourant  de  froid  et  de  faim,  et  accablée  de  souffrance,  je 
laissai  échapper  un  raot  qui  déplut  à  mon  mari,  et  je  me 
vis  aussitôt  abandonnée.  Prenant  alors  un  ton  injurieux,  il 
me  traita  de  Râkchasí  *.  Si  je  veux  m'en  retourner,  un 
immense  intervalle  me  separe  des  Etats  de  mon  père ;  si 
je  reste,  je  suis  seule  et  délaissée  sur  une  terre  étrangére. 
Que  j'avance  ou  recule,  je  me  trouve  sans  appui.  J'ose 
exposer  devant  vous  la  vérité  des  faits». 

—  «Si  ce  que  vous  dites  est  vrai,  répondit  Seng-kia 
(Sinha),  il  est  juste  que  je  vous  reçoive  immédiatement» . 

«II  n'y  avait  pas  longtemps  qu'elle  demeurait  dans  sa 
maison,  lorsque  Seng-kia-lo  (Sinhala)  arriva. 

«Pourquoi,  lui  dit  son  père,  avez-vous  préféré  les  riches- 
ses  et  les  choses  précieuses  à  votre  femme  et  à  votre  fils?» 

— «Mon  père,  dit  Seng-kia-lo  (Sinhala),  cette  femme  est 
une  Râkchasí)). 

«II  raconta  alors  son  ancienne  aventure  à  son  père  et 


1  Le  texte  donne  Lo-ihsa  (Rakclias).  J'ai  du  adopter  le  féminin. 


40 


à  sa  mère.  A  ce  récit,  tous  ses  parents  et  ses  alliés  se  ini- 
reiít  à  la  chasser.  La  Râkchasi  alia  aussitôt  porter  plainte 
au  roi,  qui  voulut  châtier  Seng-kia-lo  (Sinhala).  «La  plu- 
part  des  filies  des  Rakchas^  dit  Seng-kia-lo  (Sinhala),  exer- 
cent  sur  les  hommes  une  fascination  diabolique». 

«Le  roi  n'en  voulut  rien  croire,  et,  séduit  par  la  beauté 
de  la  Rãkchasij  it  dit  à  Seng-kia-lo  (Sinhala): 

«Puisque  vous  voulez  absolument  abandonner  cette 
femme,  je  la  garderai  aujourd'hui  dans  mon  palais  inté- 
rieur  *». 

— « Je  crains  íbrt,  reprit  Seng-kia-lo  (Sinhala^  qu'elle  ne 
vous  cause  de  grands  malheurs;  car,  comme  elle  est  de  la 
race  des  Rakchas^  elle  ne  se  nourrit  que  de  cliair  et  de  sang». 

«Le  roi,  sourd  à  ces  avis,  Tadmit  aussitôt  au  nombre 
de  ses  femmes.  Quelque  temps  après,  au  milieu  de  la  nuit, 
elle  retourna  en  toute  hâte  à  File  de  P'ao-tchou,  et  appela 
les  cinq  cents  autres  démons  femelles  de  la  race  des  Rak- 
chas.  Quand  elles  furent  arrivées  ensemble  dans  le  palais 
du  roi,  à  Taide  d'afireux  maléfices,  elles  en  firent  périr 
tous  les  habitants.  Elles  dévorèrent  la  chair  et  burent  le 
sang  des  hommes  et  des  animaux,  et  s'en  revinrent,  avec 
les  restes  de  leurs  cadavres,  dans  l'ile  de  P'ao-tchou. 

«Dès  que  le  jour  eut  paru,  les  ministres  se  réunirent 
pour  assister  à  Taudience  du  matin ;  mais  la  porte  du  roi 
était  fermée  et  ne  pouvait  s'ouvrir.  Après  une  longue  at- 
tente,  comme  ils  n'entendaient  aucune  voíx  humaine,  ils 
enfoncèrent  les  portes  et  entrèrent  précipitamment  Tun 
après  Tautre.  Dès  qu'ils  furent  arrivés  dans  rintérieur  du 
palais,  ils  ne  virent  aucun  homme  vivant,  et  ne  trouvèrent 
que  des  os  rongés.  Les  magistrats  se  regardèrent  face  à 
face,  sans  savoir  que  résoudre,  et  poussèrent  des  cris  dou- 
loureux. 


•  Ce  palais  appelé  tantôt  Heou-kong  «posterius  palatium»,  tantôt 
Tchong-kovg  «médium  palatium»,  répondait  au  harém  des  musul- 


41 


«Commc  personne  ne  pouvait  deviner  la  cause  d'un  tel 
desastre,  Seng-kia-lo  (Sinhala)  la  leur  raconta  de  point  en 
point.  Tous  les  sujects  du  roi  reconnurent  qii'il  s'était  attiré 
lui-même  son  propre  malheur.  Alors  les  ministres  du  royau- 
me,  les  hommes  d'État  mCiris  par  Tâge,  les  magistrats  et 
les  vieux  généraux  interrogèrent  successivement  les  hom- 
mes d'un  mérite  éclatant  pour  élever  le  plus  digne  au  faite 
des  honneurs  (le  placer  sur  le  trone).  Comme  ils  admiraient 
tous  la  vertu  et  la  prudence  de  Seng-kia-lo  (Siiiliala),  ils 
délibérèrent  ensemble  et  dirent:  aLe  choix  d'un  prince  ne 
saurait  se  faire  à  la  légère.  II  faut  d'abord  qu'un  homme 
soit  doué  de  vertu  et  de  prudence,  et  qu'ensuite  il  possède 
une  intelligence  remarquable.  En  eífet,  s'il  manquait  de 
vertu  et  de  pnidence,  íl  ne  pourrait  jouir  longtemps  du 
pouvoir  supremo ;  s'il  manquait  d'intelHgence  et  de  lumiè- 
res,  comment  pourrait-il  diriger  les  aíFaires  de  TEtat?  Seng- 
kia-lo  (Siíahala)  réunit  tous  ces  avantages.  II  a  découvert 
en  songe  la  cause  du  malheur ;  par  Teífet  de  sa  vertu,  il 
a  rencontré  un  cheval  celeste,  et  a  loyalement  averti  le  roi 
du  danger.  Par  sa  prudence,  il  a  su  sauver  sesjours;  c'est 
lui  que  Tordre  des  temps  appelle  au  trone». 

«A  peine  cette  résolution  eut-elle  été  proclamée,  que  la 
multitude  du  peuple  Téleva  avec  joie  aux  honneurs,  et  lui 
décerna  le  tire  de  roi.  Seng-kia-lo  (Sinhala)  refusa;  mais 
ce  fut  en  vain.  Alors,  tenant  fidèlement  un  juste  milieu, 
il  salua  avec  respect  tous  les  magistrats,  et  monta  aussitôt 
sur  le  trone.  Dès  ce  moment  il  corrigea  les  anciens  abus, 
et  prit  pour  modeles  les  hommes  sages  et  vertueux.  II 
rendit  alors  im  décret  aijisi  conçu:  «Mes  anciens  compa- 
gnons  de  commerce  se  trouvent  encore  dans  le  royaume 
des  Rakchas  (démons) ;  j'ignore  s'ils  sont  morts  ou  vivants, 
et  ne  puis  distinguer  le  bien  du  mal  *.  Maintenant  je  veux 
les  arracher  au  danger;  il  faut  que  j 'equipe  une  armée. 


1  Cest-à-dire,  reconnaítre  clah-emeut  s'ils  sont  heureux  ou  ma- 
lheur eux. 


42 


Sauver  lés  liommes  du  péril  et  compatir  à  leurs  misè- 
res,  c'est  Ic  bonheur  du  royaume;  recucillir  des  choses 
précieuses  et  les  mettre  en  reserve,  c'est  la  fortune  de 
l'Etat.» 

«Sur  ces  entrefaites,  il  passa  ses  troupes  en  revue,  s'em- 
barqua  avec  elles  et  partit.  En  ce  moment,  au-dessus  de 
la  ville  de  fer,  s'agit  tout  ;i  coup  le  drapoau  de  mauvais 
augure.  A  cette  vue,  toutes  les  Rakchasis  furent  saisies  de 
terreur.  Alors,  déployant  leurs  flatteries  les  plus  séduisan- 
tes,  elles  allèrent  au-devant  des  troupes  pour  les  attirer  et 
les  tromper.  Mas  le  roi,  qui  connaissait  depuis  longtemps 
tous  leurs  artífices,  ordonna  à  ses  soldats  de  prononcer  des 
paroles  magiques,  et  de  montrer,  avec  un  élan  impétueux, 
la  puissance  de  leurs  armes. 

«Toutes  les  Rakchasis  tombèrent  à  la  renverse  et  furent 
lionteusement  vaincues.  Les  unes  s'enfuirent  et  se  cachè- 
rent  dans  les  iles,  les  autres  se  précipitèrent  dans  la  mer 
et  s'y  noyèrent.  Le  roi  détruisit  alors  la  ville  et  la  prison 
de  fer.  Après  avoir  délivré  les  marchands,  il  trouva  une 
grande  qnantité  de  choses  précieuses.  II  appela  le  peuple 
et  transporta  sa  résidence  dans  File  de  P'ao-tchou.  II  fonda 
une  capitale,  bâtit  des  villes,  et  se  trouva  bientôt  en  pos- 
session  d'un  royaume.  Par  suite  de  ces  événements,  le 
nom  du  roi  devint  celui  du  royaume.  L'histoire  de  Seng- 
kialo  (Siiíliala)  se  rattaclie  aux  anciennes  naissances  de 
Chi-kia-fo  (Çakya  Tathâgata)  *.» 


•  Une  autre  édition  porte  Tch'oii  «locus)',  au  lieu  de  Sse  «aífaire, 
événement».  Si  Fou  adopte  cette  leçou,  il  faudra  traduire :  Sihhala 
est  iin  des  lieux  ou  naquit  anciennement  Çâlcya  Tathãgata.»  On 
trouve,  en  effet,  livre  XI,  foi.  7,  au  commencement  d'uu  morceau 
moderna,  qui  ne  devait  pas  trouver  place  dans  le  Si-yu-ki:  «Jadis 
Çâki/amouni  Bouãdlia,  dans  une  de  ses  existences  (mot  à  mot :  ayant 
métamorphosé  son  corps,  lioa  chin)^  prit  le  nom  de  Seng-Ma-lo  (íáiii- 
hala).  Comme  il  réuuissait  toutes  les  vertus,  les  habitants  du 
rovaume  Télévèrent  aux  honneurs  et  le  nommèrent  roi». 


4^ 


A  lenda  dos  Raxasis  da  ilha  de  Ceilão  é  antiga  no 
Oriente.  E  a  lenda  um  Játaca  búdico,  o  Játaca  do  Cavalo- 
-nuvem. 

Na  tradução,  que  o  sr.  Donald  Ferguson  fez  da  parte 
científica  do  meu  trabalho  Fragmentos  d'uma  Tentativa  de 
Estudo  Scoliastico  de  Epopeia  Portugueza,  lê-se  em  nota 
do  eximio  tradutor: 

«In  the  Academy  of  Aug.  13  and  27,  1881  (reprinted 
in  the  Indian  Antiquar?/  for  Oct.  1881,  pp.  201-oj,  are 
two  interesting  Communications  on  the  subject  of  «The 
Myth  of  the  Sirens»,  one  from  Mr,  W.  E.  A.  Axon,  Avho 
drew  attention  to  the  «Story  of  the  Eive  Hundred  Mer- 
chants»,  given  by  Beal  in  his  Romantic  Legend  of  Sâkya 
Buddha,  p.  339  íf. ;  the  other  by  Dr.  R.  Morris,  who 
showed  that  the  story  is  a  veritable  jâtaka  tale,  the  PâU 
text  of  which  is  given  in  Fausbõirs  edition  of  the  Jâtaka, 
vol.  II,  p.  127  íF,  under  the  title  oíValâhassajâtaka,  «Cloud- 
horse  Jâtaka)).  As  no  translation  of  the  Valâhassajâtaka 
has  yet  appeared,  I  give  one  below,  p.  46  /'.  The  expla- 
nation  of  several  doubtful  passages  I  owe  to  the  kindness 
of  Mr.  L.  C.  Wijesinha,  Mudaliyâr,  the  coadjutor  of  the 
late  Prof.  Childers  in  his  Pâli  Dictionary.  I  have  added  a 
few  notes. 


Dou  aqui  em  seguida  a  tradução  a  que  se  refere  o 
sr.  Donald  Ferguson,  com  as  respectivas  notas  como  se 
encontram  no  seu  folheto. 


VII 

o  Játaca  do  Cavalo-Nuvem 

«Those  who  will  not  carry  out  the  advice.»  Thus  spake 
the  Teacher,  while  dwelling  in  Jetavana,  concerning  a  cer- 
tain  unhappy  monk.  This  monk  having  been  asked  by  the 
Teacher:  «Is  it  true  that  you  are  unhappy?»  replied:  «It 
is  true !»  When  asked,  «Wherefore?»  he  said :  «On  account 
of  having  looked  with  desire  upon  a  beautiful  woman.» 
Then  the  Teacher  said  to  him:  «O  monk,  these  women 
who  allure  men  by  their  forra,  voice,  odour,  taste,  and 
touch  *,  and  also  by  the  charm  of  female  fascination  *,  get- 
ting  them  into  their  power,  and  knowing  that  they  have 
attained  their  wish,  through  loss  of  (men's)  purity  and 
wealth,  are,  on  account  of  their  sinfulness,  called  Yakki- 
nis,  for  in  former  days  also  Yakkhinis  approached  a  com- 


1  «Women  who  allure  men  by  their  form,»  &c.  See  Anguttara 
Nikâya,  Ekanipâta  Vagga,  I,  ed.  by  Morris  for  the  Pâli  Text  Society, 
1883,  pp.  1-2  and  86-91. 

1  «Female  fascination.»  The  Pâli  is  itthikuttam,  the  latter  partof 
which  is  not  given  in  Childers'  Dictionary.  It  occurs  three  times  in 
this  Jâtaka,  and  is  also  found,  as  L.  C.  Wijesinha  Mudaliyarkindly 
points  out  to  me,  in  the  Takkajâtaka,  p.  296,  vol.  I,  of  Fausbõirs 
edition.  As  to  this  word,  which  Dr.  Morris  does  not  explain,  Mr. 
Wijesinha  writes  that  he  does  not  recollect  meeting  with  it  in  any 
other  Pâli  books  but  the  Jâtaka,  where  it  is  almost  synonymous 
■with  lilham.  He  points  out  the  resemblance  to  the  Tamil  kúttu,  dancei 
and  suggests  that  it  is  of  Dravidian  origin,  which  is  not  improbable. 


46 

pany  of  men  by  means  of  female  artífice;  and  having  fas- 
cinated  the  merchants  and  got  them  Into  their  power, 
Beeing  other  men  also,  brought  about  the  destruction  of 
them  ali  and  devoured  them,  crunching*  them,  with  the 
blood  flowing  from  both  sides  of  their  jawB.»  He  then  re- 
lated  the  story: 

In  former  times  there  was  in  the  island  of  Larikâ  a 
Yakkha  city  called  Sirisavatthu.  Therein  dwelt  Yakkhinís. 
These,  Avhen  a  shipwreck  took,  were  aceustomed  to  go 
to  meet  the  merchants  in  splendid  clothing,  surrounded  by 
slaves,  carrying  children  on  their  hips,  and  oífering  food 
and  drink.  That  they  might  think,  «We  have  come  to 
an  abode  of  men,»  they  woiild  show  here  and  there  men 
plougliing  and  tending  cattle,  and  so  forth,  herds  of  cattle, 
dogs,  Síc,  and  approaching  the  merchants  they  would  say : 
«Drink  this  rice  gruel,  partake  of  this  rice,  eat  this  food». 
The  merchants  unawares  enjoy  the  things  given  by  them. 
Thus  having  eaten  and  enjoy ed,  while  resting  they  ex- 
change  friendly  greetings.  They  ask:  «Of  Avhat  place  are 
you  inhabitants,  whence  do  you  come,  whither  are  you 
going,  on  "what  business  have  you  como  liither?»  Ánà  they 
answer :  «We  have  come  hither  having  been  shipwrecked.» 
Responding:  «Well,  sirs,  our  husbsnds  also,  three  years 
ago,  went  on  boardship  and  went  away;  they  must  be 
dead;  you  are  also  merchants,  we  will  be  your  wives,« 
they  enticed  those  merchants  with  female  blandishments, 
and  leading  them  to  the  Yakkha  city,  the  first  men  being 
captured,  having  bound  them  as  it  were  with  supernatu- 


1  nCrunching.»  The  Pâli  is  murumurnptevâ,  from  murumurupeti, 
an  apparent  causative  of  miiritmurâyaíi,  au  imitative  word,  not 
found  in  Childers'  Dictionary.  Dr.  Morris,  however,  considers  the 
word  not  a  causative  but  a  «denominative  verb  of  onomatopoetic 
origin,  like  our  words  munch,  cJmmp,  chunch,  &c.»  The  verb  mura- 
muru^  to  murmur,  is  given  in  Winslow's  Tamil  Dictionary. — The 
Sans.  verb  marfammja  in  a  similar  sense  occurs  in  the  beginning  of 
tlie  IVth  act  of  Uttararàmacharila. 


47 


ral  cliains  *,  they  hiii-iy  tliem  into  tlie  abode  of  destruction. 
If  tliey  do  not  obtain  shipwrecked  men  near  their  own 
place  of  abode  they  wander  along  tlie  seashore,  as  far  as 
Kalyâní  on  the  furtlier  side  aiid  Nâgadípa  on  this  side, 
and  this  is  their  eustoin,  But  one  day  five  hundred  mer- 
chants  crossed  over  to  their  city.  The  females,  approach- 
ing  them,  enticed  them,  and  bringing  them  to  the  Yak- 
kha  city,  binding  the  men  whom  they  first  captured  as 
with  supei-natural  chains,  they  hurried  them  into  the  abode 
of  destruction,  and  made  them  their  husbands,  the  chief 
Yakkliinís,  the  chief  merchants,  the  others,  the  remainder, 
and  so  the  five  hundred  Yakkhinís,  the  five  hundred  mer- 
chants. But  that  chief  Yakkhiní  in  the  night  time,  when 
the  merchants  had  gone  to  sleep,  rising,  goes  to  the  abode 
of  destruction,  and  kilHng  men,  eats  their  flesh,  and  re- 
turns.  The  others  also  do  hkewise.  When  the  cliief  Yak- 
khiní had  eaten  the  human  flesh,  on  returning  her  body 
was  cold  ^.  The  chief  merchant  having  embraced  her  knew 
that  she  was  a  Yakkhiní,  and  thought :  «These  must  be 
five  hundred  Yakkhinís ;  we  must  escape.»  On  the  morrow, 
in  the  early  morning,  on  going  to  wash  his  mouth,  he  told 
the  other  merchants:  «These  are  Yakkhinís,  not  human 
beings;  they  will  devour  us  after  making  us  their  husbands, 
as  they  have  done  in  times  past  to  other  shipwrecked 
men;  let  us  now  flee.»  But  two  hundred  and  fifty^  said: 
«We  are  unable  to  leave  them ;  you  go ;  we  shall  not 
flee.»  The  chief  merchant,  having  persuaded  the  two  hund- 
red and  fifty  by  his  advice,  fled,  terrified  at  the  females. 


1  «Supernatural  chains»:  Pâli  devasahlchalikâya,  wliere,  as  Mr. 
Wijesinha  poiuts  out,  deva  can  hardly  be  translated  dirme/hesug- 
gests  a  corrupt  reading  for  tadaheva,  but  as  the  word  occurs  twice, 
and  FausbõU  gives  no  alternative  reading,  I  have  let  it  stand. 

2  «Her  body  was  cold.»  I  have  uot  elsewhere  met  with  this  cha- 
racteristic  of  Yakkhinís. 

5  «Two  huudi"ed  and  fifty»:  Pâli  addliateyyasatâ,  literally  two- 
and-a-half  hundred. 


48 


Now  at  that  very  time  Bôdhisatta  was  bom  íroiu  tlie 
Avomb  of  a  maré ;  he  was  puré  white,  blackhead  *,  munja- 
hairerl  ^,  possessed  of  supernatural  power,  being  able  to  go 
througli  tlie  air.  Rising  througli  the  air  from  the  Hima- 
vanta,  he  went  to  the  isle  of  Tambapanni,  and  having 
eaten  paddy  produced  spontaneously  in  the  lakes  and  ponds 
of  Tambapanni  he  went  on,  and  thus  proceeding  said  com- 
passionatel j  three  times  in  a  well-modulated  human  voice : 
«Does  any  person  Avish  to  go?  Does  any  person  wish  to 
go?»  They  hearing  the  speech  came  near  with  folded 
hands,  and  said:  «Sir,  we  folk  wish  to  go.»  «Then  get 
upon  my  back»,  said  he.  Then  some  got  on  his  back,  some 
seized  his  tail,  but  some  stood  with  folded  hands.  Bôdhi- 
satta by  his  own  supernatural  power  couveying  ali  the  two 
hundred  and  hfty  merchants,  even  those  standing  with 
folded  hands,  placing  each  in  his  own  place,  returned  to 
his  own  abode.  But  the  Yakkhinis,  wheu  the  time  of  the 
others  had  come,  killed  the  remainiug  two  hundred  and 
fifty  men  and  ate  them^. 

The  Teacher,  addressing  the  monks,  said:  «O  monks, 
as  those  merchands  went  to  the  dwelling  of  the  Yakkhinis 
and  met  with  their  death,  while  those  who  obeyed  the 
word  of  the  cloud-horse  king  were  placed  every  one  in  his 
own  place,  even  so  monks  and  nuns,  laymen  and  laywo- 
men,  not  fulíilling  the  advice  of  Buddhas,  experience  great 
sorrow,  through  hundreds  of  misfortunes,  by  means  of  the 
five  sorts  of  bonds,  deed,  action,  condition,  and  so  forth ; 
but  those  who  fulfil  the  advice  obtain  the  three  noble  sam- 


1  «Black  li eaded.i)  «Pali  kâkasiso,  i.  e.,  ncrow-headed.» 

2  «Munja-haired»:  munja,  according  to  Childers,  is  «a  sort  of 
grass,  saccharum  munja,  from  the  fibre  of  which  the  Brahmanical 
string  is  rnade»,  also  «a  sort  of  íish.»  No  doubt  the  first  meaning 
applies  here.  According  to  the  Rgya-Tch' er- Rol- Pa,  the  horse's  hair 
is  plaited.  V.  páj.  65. 

3  On  Ceylon  as  the  island  of  demons,  see  Sénart's  Essai  sur  la 
Legende  du  Buddha,  p.  231  et  seq. 


49 


pattis,  the  six  Kâma  heavens,  the  hundred  Brahma  worlds, 
and  suchlike  conditions,  and  experiencing  the  great  nib- 
bâna  of  immortality  enjoy  great  happiness.»  The  Perfectly 
Enlightened  then,  having  said  this,  spoke  theses  verses : 

1.  «Those  men  who  will  not  carry  out  the  advice  preach- 
ed  by  the  Buddha  will  obtain  misfortune  as  the  merchants 
by  the  Râkshasís. 

2.  «And  those  men  who  will  carry  out  the  advice  preach- 
ed  by  the  Buddha  will  reach  the  shore  safely  as  the  mer- 
chants by  means  of  the  horse. » 

The  Teacher,  having  thus  set  forth  this  discourse,  illus- 
trating  the  doctrines,  connected  the  Jâtaka  (at  the  end  of 
the  teaching  the  unhappy  monk  was  establi.shed  in  the 
fruit  of  satâpatti^  and  many  of  the  rest  obtained  the  fruits 
of  sotâpatti,  sakadâgami,  anâgâmij  and  arahatship) :  — 
«Those  two  hundred  and  fifty  merchants  who  folio wed 
the  advice  of  the  cloud-horse  king  were  the  followers  of 
the  Buddha,  and  I  was  that  cloud-horse  king.» 


VIII 

Valor  histórico  e  jeográfico  das  lendas  precedentes 

Nestas  lendas  temos  a  separar  a  parte  histórica  da  parte 
mitolójica. 

A  parte  histórica  é  evidentemente  a  conquista  árica  da 
ilha  de  Lancá,  e  a  conversão  ao  Budismo. 

Mas  antes  desta  conquista  búdica,  a  ilha  tinha  sido  já 
conquistada  pe'los  Árias  como  o  canta  a  epopeia  de  Rama: 
nem  vemos  nestas  lendas  senão  a  serie  lendária  de  que  o 
Ramáiana  é  a  mais  bela  expressão  *. 

A  crónica  páli  atribui  ao  mesmo  facto  os  dois  nomes 
Tamba-panni,  em  sámscrito  Tãmra-parna,  ou  Tam- 
ba-dipo,  em  sámscrito  Tãmra-dvipa,  e  Sihala-dlpo, 
em  sámscrito  Sihala-dvipa.  Há  nisto,  a  meu  ver,  con- 
fusão. 

Explica  o  cronista  a  etimolojía  de  Tamba-panni  de 
modo  inteiramente  falso,  como  por  jente  ignorante  dos 
processos  etimolijicos  ouvimos  explicar  a  orijem  de  nomes 
locais,  por  exemplo  —  Ribeira  de  Cosellias,  Odemira^,  Mira- 
gaia ^  Penda. 

Basta  vermos  dois  ns  em  panni  para  concluirmos  o  vo- 
cábulo em  sámscrito  parnT  que  referimos  a  parna  «folha» 
com  terminação  feminina  no  compostq.  O  vocábulo  pãni 


1  Leia-se  Sénart,  Essai  sur  la  legende  du  Buddha,  272-278. 


o:^ 


«mão»  corresponde  em  sámscrito  a  idêntico.  O  vocábulo 
tamba  «cor  de  cobre,  vermelho»  corresponde  em  sám- 
crito  ao  vocábulo  tãmra  «cor  de  cobre,  vermelho»,  mas 
nome  ainda  de  varias  plantas  e  entre  elas  a  tãmra-parni, 
a  Rubia  Munjista  de  Roxburg,  da  cual  em  sámscrito  se  diz 
também  mangisthã  (páH  mangittã),  a  ruiva  dos  tin- 
tureiros, e  duma  espécie  de  sândalo;  o  vermelho,  de  que 
fala  Garcia  da  Orta,  Colloquio  XLIX,  mas  que  não  deve 
confundir-se  com  o  actual  Pterocarjpus  Santalinus,  mais 
conhecido  pe'lo  nome  de  Lignum  Santalinum  rubrum. 

Pe'lo  que  dizem  Fluckiger  e  Daniel  Hanbuiy  *,  sou  le- 
vado a  crer,  que,  no  tempo  do  Físico  de  D.  João  III,  a 
madeira  conhecida  pe'lo  nome  de  sândalo  vermelho  no 
comercio  não  era  a  de  uma  variedade  de  sândalo,  antes 
já  mercadoria  mui  diferente  como  a  que  hoje  tem  na  Eu- 
ropa esse  nome.  Garcia  da  Orta  confessa  mesmo  não  ter 
conhecido  a  árvore,  mas  soube  que  duma  parte  usavam  os 
naturais  da  índia  contra  as  febres,  e  estimavam  a  madeira 
como  boa  de  aparelhar  e  própria  pe'la  sua  grandeza  para 
pagodes  e  ídolos. 

A  verdadeira  rejião  do  sândalo  na  índia  é  do  Malabar 
para  Caromandel,  especialmente  nas  montanhas  de  Malaia.^ 
Hiuan-Tsam  ^  descrevendo  estes  montes  diz : 

«Là  s'élèverit  les  monts  Mo-la-ye  (Malayas)  avec  leurs 
flancs  escarpes  et  leurs  sommets  sourcilleux,  leurs  vallées 
sombres  et  leurs  profonds  ravins.  Sur  ces  montagnes, 
croissent  la  santal  blanc  et  l'arbre  nommé  Tchen-t'an-m-p'o 
(Tchandaneva  «semblable  au  santal»). 

E  na  rejião  dos  montes  Malaias^  que  justamente  ficava 
na  índia  antiga  uma  das  nove  divisões  *  do  País  de  Barata 


1  Trad.  fr.  de  Lanessan,  HiMoire  des  drogues  d^origine  végétale, 
Paris  1878,  2  vol.  — vol.  II,  páj.  372-373. 

^Mahãbhãrata    e    Kãmãjana  apud  Sansknt  Wõrterbuch. 
'  Apud  Stanislas  Julien,  Mémoires,  II,  páj.  122. 
^  Siddhãnta-Si romani,  III,  41. 


53 


(a  índia),  a  divisão  ou  khanda  Tamra-parna,  e  o  rio 
do  mesmo  nome  *. 

O  mercado  de  sândalo  em  Ceilão  era  importantíssimo 
nos  primeiros  séculos  da  nossa  era.  Todavia  as  grandes 
lojas,  que  dele  havia  abertas,  recebiam-no  de  país  estra- 
nho. Ceilão  importava-o  para  o  expedir,  porque  era  o  em- 
pório do  mundo  asiático  como  ponto  central  de  todo  o  co- 
mercio marítimo^. 

Por  outro  lado  é  certo  que,  antes  da  expedição  árica 
atribuída  a  Vijaia  e  com  a  qual  se  introduziu  o  budismo 
em  Ceilão,  houve  a  expedição  árica  atribuída  a  Rama.  Da 
expedição  de  Vijaia  há  tradição  na  costa  oriental,  da  ex- 
pedição de  Rama  há  viva  tradição  na  costa  ocidental,  no 
Malabar.  Entre  os  Malabares  existem  ainda  hoje  famílias 
com  os  nomes  antigos  da  raça  dos  IxiiácuSj  os  ascendentes 
de  Rama^. 

E  possível,  por  consecuencia,  que  o  nome  de  Tãmra- 
-  p  a  r  n  a,  anterior  ao  deSíhala-dvIpa  provenha  da  rejião 
do  Malabar^. 


Na  parte  mitolójica  distinguimos  como  tendo  valor  his- 
tórico a  morte  do  leão. 


1  Sanslcrit  Wõrterbuch,  s.  v.  T.-p. 

2  Richthofen,  China,  I,  521,  524  nota  2. 

*  Turnour's,  Epitome  of  Ceylon  History.  [Cf.  também  Ind.  Ant. 
vol.  XI,  páj.  2Õ7  (Ed.  I.  A.)] 

''  Aqui  anotou  o  sr.  Donald  Ferguson  :  On  tbis  subject  of  the  name 
of  Tanibapanni  and  the  landing  of  Vijaya,  I  would  refer  to  Dr. 
Oaldweirs  Politicai  and  General  History  of  the  District  of  Tinne- 
velly,  1881,  pp.  9-10,  13-14,  where  the  connection  between  the  river 
Tâmraparní  and  the  name  for  Ceylon  is  shown  to  be  exceedingly 
probable,  though  it  is  left  doudtful  which  was  borrowed  from  the 
ether;  also  Dr.  E.  Muller's  Ancie.nt  Inscrií^tions  of  Ceylon,  1883, 
pp.  21-24,  where  the  theory  is  advanced  tliat  the  Vijayan  invaders 
carne  to  Ceylon  through  Southern  índia.  We  have  not  yet  suffi- 
cient  evidence,  however  to  show  that  the  invaders  did  land  ont  the 
west  coast  oi  Ceylon.  —  D.  F. 


54 


A  lâmpada  falante,  o  cavalo  májico  ou  voador,  e  a  des- 
ventura de  quem  olha  para  trás,  são  elementos  mitolójicos 
doutra  ordem. 

Estes  assassínios,  cuási  sempre  fratieidios,  mas  ainda 
parricidios  e  filicidios,  referem-se  a  edificação  duma  cidade 
levantada  sobre  o  fosso  dentro  de  que  se  havia  lançado  a 
cabeça,  ou  o  p/za/Ziís^  do  individuo  sacrificado  e  cujo  nome 
era,  por  vezes,  dado  à  cidade  *.  E  cuási  certo  encontrar-se, 
no  povo  cuja  civilização  rudimentar  entrou  no  período  da 
construção  domiciliar,  a  crença  de  que  o  espírito  da  vítima, 
enterrada  nos  caboucos  da  casa,  torna  esta  mais  sólida  e 
é  uma  como  que  divindade  tutelar  das  vizinhanças  da  casa. 
Em  terras  de  grande  desenvolvimento  de  civilização  tem-se 
reduzido  esta  crença  a  mero  prejuízo ;  e  como  atenuação 
lança-se  nos  alicerces  um  frángão  morto  e  até  (na  Alema- 
nha) se  faz  atravessar  por  cima  dos  caboucos  com  um  caixão 
de  defunto,  vazio. 

O  leão  morto  por  Simhahálm  tem  na  Grécia  o  seu  cor- 
respondente niitolójico  no  leão  de  HéracleSj  que  alguns 
mitólogos  explicam  pe'la  nuvem,  calijinosa  e  rebombante, 
vencida  pelo  deus  solar  ^.  E  conhecido  na  tradição  helénica 
o  leão  monstruoso  e  terrível,  o  leão  assolador  do  pais  do 
rei  de  Mégara,  cuja  filha  casará  com  o  herói  que  o  matar ; 
e  todavia  o  leão  não  teve  o  seu  habitat  no  Peloponeso  nem 
em  parte  nenhuma  da  rejião  dórica,  à  cual  pertencem  as 
cidades  de  Mégara  e  de  Neméa. 

A  tradição  parece  ter  caracteres  comuns  à  mitolojia  dos 
povos  áricos.  E  para  mais  o  comprovar  há  a  circunstancia 


1  Veja-se  Fr.  Lenormant.  Les  origines  de  VHisioire  d'apres  la 
Bihle  et  les  traditions  des  petiples  orientaux,  1880,  cap.  IV;  con- 
fronte-se  V.-Abreu,  Investigações  sobre  o  caracter  da  cimlisaçào  árya 
hindu,  1878,  páj.  38-39. 

2  Cf.  a  explicaçào  da  morte  de  Alei  por  Caim  dada  por  Goldziher, 
Der  Mythos  hei  den  Habraern,  Goldziher-Martineau,  páj.  113,  114, 
126  e  passim. 


00 


de  eer  um  grande  viajante  por  mar  o  herói  da  índia  e  o 
lieroi  da  Grécia  K 

Na  idade-media  o  leão  e  a  virjeni  da  lenda  búdica  são  o 
monocerote  e  a  donzela,  que  o  afaga  em  seu  colo,  atraíndo-o 
pe'los  encantos  da  sua  beleza  ou  pe'lo  perfume  suavíssimo 
que  exhala"^. 


Antes  de  examinarmos  os  outros  elementos  mitolójicos 
cumpre  não  esquecermos,  que  em  a  literatura  clássica  da 
Europa  se  mencionam  entes  femininos  semelhantes  às  cruéis 
Raxosis:  tais  são  na  ilha  africana,  sempre  povoada,  os  en- 
tes fantásticos  do  sexo  feminino  exclusivamente,  de  que 
dá  noticia  Pomponio  Mela  (ÍII,  9).  E  Atheneu  (V,  64)  diz- 
-nos  que  ]\Iario  trouxe  da  Africa  peles  de  animais  maravi- 
lhosos que  oferecera  ao  templo  de  Héracles. 

E  bem  conhecida  a  orijem  do  nome  de  Gorila  dado  no 
Périplo  de  Hanon,  pe'lo  navegador  cartajinês,  a  certos 
animais  da  zona  tropical  por  ele  encontrados  nas  costas 
ocidentais  da  Africa.  Eram  três  fêmeas  os  animais  que, 
dentre  esses,  ele  trouxe  e  consagrou  ao  templo  de  Tanit 
(Juno). 

Assim  pois,  se  há  tradições  idênticas  duma  ilha  de  fe- 
rozes entes  femininos,  tanto  na  índia  como  na  Europa,  há 


1  Veja-.su  Decharme,  Mythologie  de  la  Grece  antique,  L,  IV,  cap.  II_ 
Não  esqueçamos  todavia  que  Maury  demonstrou,  que  as  lendas 
em  que  figura  o  leão  no  Peloponeso  foram  levadas  para  ali  da  Fri- 
jia,  da  Lidia;  e  que  hoje  se  conhece  o  mito  de  Adónis  na  epopeia 
acadio-babilóuica,  e  se  sabe  igualmente  que  o  mito  de  Sansão  é  o 
mito  do  Héracles  assiro-acádico,  Ninib  ou  Nindar,  deus  solar,  re- 
presentado por  um  jigante  que  estrangula  um  leão.  A  despeito  de 
tudo  isto,  é  certo  que  uma  espécie  de  leão  existia  em  tempos  his- 
tóricos na  Trácia  e  países  circunvizinhos,  como  se  vê  do  que  nos 
deixaram  dito,  em  seus  escritos,  Heródoto  (VII,  125)  e  Aristóteles 
(H.  an.  28). 

^  Brunetto  Latini,  Trésor  de  toutes  choses.  Jordanus,  Mirabilia. 


56 


também  um  facto  histórico  à  semelhança  do  cual  podemos 
explicar  a  tradição  hindu.  Com  efeito  a  tradição  na  Europa 
provém  do  atraso  da  antiguidade,  em  anatomia  e  etnolojía, 
e  dos  séculos  decorridos  entre  o  navegador  púnico  e  o  jeó. 
grafo  do  tempo  de  Cláudio. 

Não  devem  ser  tomados,  portanto,  na  conta  de  fabulosos 
os  habitantes  do  sexo  feminino,  as  ferozes  Raxasis  da  ilha 
conquistada  por  Vijaia ;  temos,  antes,  todo  o  direito  a  con- 
siderá-los como  as  mulheres  selvajens  de  Hanon  que  para 
Pomponio  Mela  eram  entes  fantásticos. 


IX 

Raxasis,  Sereias  e  Harpias.  Os  cantos  celestes 

Se  não  quisermos  ver  nesses  entes  fabulosos,  —  porque 
é  contestável  — ,  a  expressão  poética  ou  mitolójica  do  facto 
de  existirem  na  ilha  animais  de  formas  estranhas  mais  ou 
menos  semelhantes  às  humanas,  mas  desconhecidas  dos 
habitantes  da  índia,  podemos  estudar  o  facto  mitolójico  em 
si,  isto  é,  como  mitolojía. 

Há  tradição  na  Europa,  e  se  lê  dela  nos  poemas  de  Ho- 
mero, que  bem  cuadra  com  as  lendas  das  Raxasis  da  ilha 
de  Ceilão.  É  a  lenda  das  Sereias  e  das  Harpias. 

E  tanto  mais  natural  comparar  a  lenda  das  Eaxasis  à 
lenda  dos  entes  psicopompos  da  mitolojía  clássica,  cuanto 
é  certo  que  em  monumentos  búdicos  de  Java  (Bôrô  Boe- 
doer,  op  Het  Eiland  Java^  de  Leemens  segimdo  os  traba- 
lhos de  Wilsen  e  Brumund.  Leide,  1874,  Atlas,  CIV)  se 
vêem  entes  com  figura  de  ave  e  mulher,  tidos  como  sedu- 
tores pe'la  suavíssima  e  arrebatadora  música  do  seu  canto. 

Como  divindades  do  mar,  embora  nefastas,  as  Harpias 
são  irmãs  de  íris,  outra  divindade  indo-celta.  Hesíodo  dá- 
-Ihes  ao  pai  nome  Thaúmas  e  à  mãe  nome  Electra, 
isto  é,  a  violência  personificada  em  jigante,  e  o  esplendor 
luminoso  que  se  reflecte  no  azul  das  ondas  do  mar  perso- 
nificado em  ninfa  oceânica. 

Nesta  filiação  vemos  prova  da  identidade,  sob  certos 
pontos  de  vista,  entre  as  Harpias  e  os  Marutes  da  índia 


58 


védica,  filhos  de  Rudra  a  violência  do  vento,  o  furor  das 
tempestades,  e  pe'la  mãe  filhos  de  Prixni,  a  vaca  mos- 
queada, isto  é,  do  rio  celeste  ou  da  nuvem.  Os  Marutes  são 
divindades  luminosas  e  rebombantes,  que  andam  sobre  as 
montanhas,  levados  no  carro  do  raio  e  do  vento,  dardejando 
as  lanças  de  ouro,  fazendo  tremer  os  montes  e  abalando 
as  florestas. 

Marutes,  Baxasis,  Sereias,  Harpias,  são  divindades  de 
carácter  acuático,  fluvial,  tempestuoso;  além  disto,  como 
os  Ogres  e  os  nossos  Olharapos,  o  seu  poder  májico  arrasta 
sedutoramente  as  pessoas,  que  estes  entes  maléficos  de- 
voram. 

O  tipo  fundamental  destas  diferentes  concepções,  a  serem 
elas,  como  julgamos,  do  mesmo  ciclo,  é  o  mar  celeste  re- 
volto pe'lo  vento  e  encoberto  pe'las  nuvens,  sede  ao  mesm.o 
tempo  dos  cantos  suaves  e  májicos,  como  são  os  cantos  dos 
Marutes. 


X 


o  cavalo  do  herói.  Transformações  do  mito  do  cavalo  májlco : 
çapatos  encantados,  botas  de  cortiça 

Fora  da  tradição  comum  a  toda  a  raça  árica,  existem 
na  Europa  vestijios  tradicionais  que  os  mitógrafos  de- 
monstram serem  de  orijem  búdica.  Deu-lhes  a  Itália  fácil 
acesso  e  aí  os  encontramos  abundantes,  e  dai  se  espalha- 
ram pe'lo  ocidente  ^ 

•  Entre  nós  ignoramos  que  haja  algum  conto  popular  em 
que  se  mencionem  lâmpadas  falantes.  Na  Itália  são  muito 
conhecidos,  e  o  leitor  os  pode  ver  na  magnífica  colecção 
de  Pitré,  Fiàbe,  Novelle  e  Eaccónti  popolari  Siciliani,  por 
exemplo  no  conto  «La  soru  di  lu  Cotiti»^. 

Na  Itália  se  encontra  também  a  tradição  do  cavalo  má- 
jico.  Mas  neste  caso  entram  elementos  áricos  comuns  e  de 
tradição,  que  é  filha  de  importação  por  influencia  búdica. 

Antes  do  cavalo  alado  descrito  por  Ariosto,  conheceu  a 
Grécia :  Arion,  o  cavalo  de  Adrasto,  e  Pégaso^  outro  cavalo 
maravilhoso^. 


1  Vide  Gr.  de  Vasconcellos-ABREu,  Summario  das  Investigações  em 
Samscritologia  desde  1886  até  1891,  páj.  41  segs. 

2  Vol.  I,  páj.  60  segs. 

3  A  lenda  árabe  do  cavalo  Hizan  que  passou  a  Moisés,  protejido 
pe'lo  arcanjo  Gabriel,  para  o  outro  lado  do  Nilo,  depois  da  saída  do 
palácio  do  Pharaó,  é  moderna. 


60 


É  com  efeito  do  patrimonicj  das  lendas  áricas  o  inito  do 
cavalo  do  herói,  que  o  salva  das  dificuldades,  como  o  cavalo 
dos  dois  Axuínos  e  o  cavalo  de  Indra,  que  o  avisa  ou  pe'lo 
menos  lhe  prognostica,  como  o  cavalo  de  Rávana  chorando, 
a  futura  desgraça,  ou  relinchando  prediz,  como  a  Darío, 
a  gloria  e  o  triumfo ;  o  mito  do  cavalo,  que  se  identifica 
com  o  herói,  o  nome  do  cual  lhe  provém  do  cavalo  que 
monta  e  da  força  desse  cavalo,  como  Axuatáman  (asva- 
-tthãman  por  asva-sthãman  «força  do  cavalo»),  o 
filho  de  Drona,  no  Mahabárata. 

Destas  lendas  podemos  ainda  aproximar  a  lenda  dos 
dois  cavalos  de  Aquiles,  as  lendas  dos  cavalos  —  de  Alexan- 
dre, de  Baiardo,  e  de  Esquírnero  nos  Edas ;  e  tantas  outras, 
sem  esquecermos  a  lenda  de  Hipocrene. 

As  transformações  posteriores  do  mito  do  cavalo  májico, 
do  cavalo  do  herói,  indicam-uos,  todavia,  importação  de 
tradições  búdicas. 

Assim  transformado,  o  cavalo  májico  é  em  Lisboa  o  jpar 
das  botas  de  cortiça;  e  nas  producções  literárias  modernas, 
quem  o  não  conhece  na  capa  do  Diabo  coxo  e  na  Bengala 
de  Mr.  de  Bahac?  Nos  contos  populares  corresponde-lhe 
o  tapete  sobre  que  o  herói  toma  assento  e  sobre  o  cual  é 
transportado  pe'lo  ar,  as  botas  do  rapaz  que  procm-a  as 
três  irmãs  *,  os  çapatos  encantados  ^,  e  nos  proloquios  o 
nosso  «Quem  tem  capa  sempre  escapa». 

Antes  de  prosseguirmos,  convém  recordar  que  na  mi- 
tolojía  grega  existe  também  a  substituição  do  cavalo  pe'lo 
çapato  ou  sandália.  Perseu  dá  as  sandálias,  de  que  se  ser- 
viu para  ser  transportado  ao  lonje  por  toda  a  parte,  a 
HermeSj  depois  que  ele  envolto  e  oculto  na  maravilhosa 
cabeleira  venceu  o  monstro  e  conquistou  Andrómeda.  Mas 
se  recordamos  esta  lenda  é  para  que  se  note  que  as  orijens 


*  F.  Adolpho  Coelho,  Contos  populares  portuguezes,  conto  xvi. 
2  Veja-se   The  Indian  Antiquary.  Yol.  III,  «Origin  of  Pãtna», 
principalmente,  páj.  150,  col.  2.^ 


61 


deste  mito  são  orientais,  como  o  demonstrou  Clermont-Gan- 
neau,  comparando  Horus  e  São  Jorje,  na  Revue  Arch., 
n."  de  outubro,  dezembro,  1876  *. 


Exemplo  destas  transformações  no  Oriente  anteriormente 
às  que  se  conhecem  europeizadas  é  o  avadana  n.°  LXXIV, 
dos  contos  e  apólogos  indianos  traduzidos  do  chinês  por 
Stanilas  Julien^. 


í  Ào  meu  amigo  e  colega,  Dr.  F.  A.  Coelho,  devo  a  seguinte  comu- 
nicação: "Sobre  um  episodio  em  que,  em  logar  do  botas,  figura  ás 
vezes  um  manto  ou  uma  sela,  que  transportam  pelo  ar,  e  que  se 
encontram  em  grande  numero  de  contos  europeus  e  orientaes,  veja- 
se  Gebr.  Grimm,  Kinder  und  Hausmaerchen,  III,  166  (nota  ao  n.'  92); 
E.  Koehler,  no  Jahrbuch  fur  roman.  und  engl.  Literatur,  VII,  148 
(nota  ao  conto  veneziano  da  collecçâo  Widter  Wolf,  n."  10,  pu- 
blicada no  mesmo  periódico);  J.  Grrimm,  Deutsche  Mythologie,  3.* 
ed.,  p.  XXX;  F.  Liebrecht,  in  Orienl  und  Occident,  i,  132,  onde 
o  auctor  se  refere  a  um  seu  artigo  na  Germânia,  de  Pfeifier,  II, 
244.  Aos  contos  indicados  por  estes  auctores  ajuntaremos  os  seguin- 
tes em  que  reaparece  o  episodio .  J.  G.  von  Hahn,  Griechische,  und 
albanesiche  Maerchen,  n.°  141  (Leipzig,  1864),  em  que  é  batendo  na 
terra  com  bastão  magico  três  vezes  que  o  possuidor  se  transporta 
aonde  quer;  Kreutzwald-Loewe,  Esthnische  Maerchen,  n.°  11  (botas 
de  cortiça  que  transportam  ao  longe);  G.  Pitré,  Fiabe,  Novelle  e 
Bacconti  popolari  siciliane,n."  31  (botas  que  levam  como  o  vento).» 

2  Vol.  II,  páj.  8;  «avadãna»  significa  primariamente  «nego- 
cio liso,  honesto,  leal»,  mais  tarde  «rasgo  heróico»,  e  por  fim  «lenda, 
conto»;  e  assim  título  de  colecção  de  contos.  Burnouf.  lufr.  à  VHist 
du  Buddhisme  Indien,  1."  ed.,  115.  Sobre  a  grande  importância  dos 
Avadanas  e  dos  Játacas  búdicos  veja-se  principalmente  o  1.°  vol. 
do  Panchaíantra,  de  Benfey ;  e  Liebrecht,  Zur  Volkskunde,  109-121 
ou  in  Orient  und  Occident,  de  Benfey,  I,  129  e  ss.,  e  Léon  Feer, 
Éiudes  houddhique.1,  in  J.  Asiat.,  VII  Ser.,  tomo.  XI,  XIV,  Ava- 
dãna- Çataka^  Cent  Legendes  Bonddhiques  trad.  du  sanskrit  par 
M.  Léon  Feer.  Annales  da  Musée  Guimet,  tomo  XVIII. 


XI 

La  dispute  des  deux  démons 

II  y  avait  jadis  deux  Piçatchas  qui  possédaient  chaciin 
un  coffre,  im  bâton  et  im  soulier.  Ces  deux  démons  se  dis- 
putaient  entre  eux,  voulant  cliacun  avoir  ces  six  objects 
à  la  fois.  lis  passaient  des  jours  entiers  à  se  quereller  sans 
pouvoir  tomber  d'accord.  Un  homme  ayant  été  témoin  de 
cette  discussion  obstinée,  les  interrogea  et  leur  dit:  «Qu'ont 
donc  de  si  rare  un  coffre,  im  bâton  et  un  soulier,  pour  que 
vous  vous  disputiez  avec  tant  d'acharnement?» 

De  ce  coffre,  répondirent  les  deux  démons,  nous  pou- 
vons  tirer  des  vêtements,  des  breuvages,  des  aliments,  des 
couvertures  de  lit,  et  eníin  toute  sorte  de  choses  nécessai- 
res  à  la  vie  et  au  bien-être.  Quand  nous  tenons  ce  bâton, 
nos  ennemis  se  soumettent  humblement  et  nul  n'ose  dis- 
puter  avec  nous.  Quand  nos  avons  mis  ce  soulier,  par  sa 
vertu,  nous  pouvons  marcher  en  volant  sans  rencontrer 
nul  obstacle». 

En  entendant  ces  paroles,  cet  homme  leur  dit:  «Eloi- 
gnez-vous  un  peu  de  moi,  je  vais  faire  un  partage  égal». 

A  ces  mots,  les  deux  démons  se  retirèrent  à  Técart. 
Cet  homme  prit  les  deux  coffres  et  les  deux  batons,  chaussa 
les  deux  souliers  et  s'envola.  Les  deux  démons  furent  stu- 
péfaits  en  voyant  qu'il  ne  leur  restait  plus  rien. 

Cet  homme  parla  alors  aux  démons,  et  leur  dit:  «J'ai  em- 
porté  ce  qui  faisait  Tobjet  de  votre  querelle,  je  vous  ai 


64 


mis  tous  deux  dans  la  même  condition,  et  vous  ai  ôté  tout 
sujet  de  jalousie  et  de  dispute». 


O  nosso  primeiro  mitógrafo,  o  lente  no  Curso  Superior 
de  Letras,  dr.  F.  Adolpho  Coelho,  conhece  um  conto  po- 
pular português  de  que  ainda  não  pôde  colher  versão  com- 
pleta, em  que  há  três  irmãos  um  dos  cuais  tem  um  óculo 
pelo  cual  vê  a  grande  distancia,  outro  tem  um  tapete  que 
transporta  ao  lonje,  outro  tem  uma  maçã,  ou  uma  agua 
(leite  no  Játaca  búdico),  que  cura  toda  a  doença.  Adolpho 
Coelho  vê  neste  conto,  de  que,  diz  ele,  há  muitos  paralelos 
europeus,  orijem  búdica;  e  conclui-a  do  conto  que  deixa- 
mos transcrito  dos  Avadanas. 

O  conto  paralelo  na  índia  é  o  24  do  tomo  II  da  colecção 
Tuti-Náme,  ed.  de  Georg  Rosen,  Leipzig,  1858,  citado  por 
De  Gurbernatis,  Myihologie  Zoologique,  vol.  i,  páj.  135*. 

Na  colecção  de  fábulas  hindus,  em  sámscrito,  o  Pancha- 
tantra,  pode  o  leitor  achar  interesse  lendo  a  variante  do 
episodio,  no  conto  do  «Tecelão  que  se  faz  passar  por 
Vixnu».  Benfey  no  seu  precioso  estudo  sobre  os  contos  e 
apólogos  hindus  estuda  algumas  particularidades  deste 
conto  -. 


1  Cf.  Liebreclit,  Volkskunde,  pag.  118. 

2  Pantschatantra,  vol.  I,  paj.  159-163.  Finalmente  citamos  ao 
leitor  curioso  o  «Conto  do  rei  Brahmadata-),  colijido  no  Kathã- 
-Sarit-Sãgara,  que  se  pode  ler  a  páj.  12  e  segs.  da  tradução  de 
C.  H.  Tawney,  in  Bihliotheca  Indica,  cujas  notas  sâo  muito  eluci- 
dativas, em  especial  a  de  páj.  14.  Cf.  o  Játaca  n.°  186,  de  Fausbõll, 
Dadhi-vãliana  Jãtaka  «O  Játaca  do  Senhor  do  Leite»,  tra- 
duzido por  T.  W.  Rhys  Davids,  Buddhist  Birth  Stories,  I,  páj.  XVI 


XII 
o  rinchar  do  cavalo  do  herói.  O  olhar  para  trás 

O  cavalo  que  assim  vemos  substituído  pe'la  capa,  pe*lu 
tapete,  pe'las  botas,  pe'lo  çapato,  é  na  relijião  búdica  um 
dos  requisitos  necessários  do  kakravartin*. 

Chacravartine  é  o  que  possui  tudo  cuanto  está  dentro 
dos  limites  do  mundo ;  Buda  ó  um  Chacravartine.  O  seu 
cavalo  é  branco  como  a  luz  do  dia,  e  tem  crinas  como  os 
raios  dourados  do  sol ;  sustenta-se  bebendo  os  ventos  e  voa 
percorrendo  o  espaço  inteiro.  ^  Segundo  o  «Rgya-Tch'er- 
-Rol-Pa»  o  cavalo  que  pertence  ao  Buda  Chacravartine  é 
pigarço,  tem  a  cabeça  preta,  as  crinas  entrançadas,  co- 
bre-o  uma  rede  de  ouro,  e  percorre  todo  o  espaço  dos  céus. 
O  Chacravartine  monta-o  ao  romper  do  sol  e  percorre,  dum 
lado  e  doutro  até  aos  confins  oceânicos,  o  mundo  inteiro, 
não  sem  que,  antes,  o  guarda,  que  tem  o  corcel  a  seu  cui- 
dado deixe  de  recomendar  ao  animal  que  relinche^. 

Dos  hinos  védicos  vemos  que  o  sol  é  designado  como 
um  deus  que  vê  tudo  e  tudo  conhece,  a  que  nada  se  es- 


1  Benfey,  l.  c.  Spence  Hardy,  Manual  of  Budhism,  páj.  127.  Fou- 
caux,  Bgya-Tch'er-Rol-Fa,  cap.  III. 

2  Cf.  Sénart,  Essai  sur  la  legende  du  Buddha,  passim. 

'  O  nome  do  cavalo  de  Buda  é  Cántaca,  kanthaka,  provavel- 
mente por  krandaka  «o  que  relincha,  rinclião»,  /  krand  «relin* 
char,  rinchar,  gritar,  chorar,  lamentar». 


66 


conde,  e  que  se  ergue  puxado  pe'los  seus  raios,  pe'los 
seus  cavalos,  ^  e  esta  concepção  revela  grande  desenvol- 
vimento do  antropomorfismo  porque  ao  sol  dá- se  em  o 
hymno  VII,  77,  3,  a  dupla  cualificação  de  «olho  dos  deuses» 
e  de  «cavalo  branco,  brilhante.»  Por  outro  lado  o  sol  é 
comparado  ao  fogo  do  altar,  e  o  fogo  do  altar  é  comparado 
ao  sol,  porque  em  mitolojía  como  em  todo  o  culto  védico, 
aos  fenómenos  celestes  correspondem  iguais  fenómenos  ter- 
restres, o  que  se  passa  na  terra  tem  igualmente  logar  no  céu. 
O  fogo,  ou  o  lume,  Agni,  ignis  em  latim,  é  também  com- 
parado a  um  cavalo^.  É  ele  o  que  vai  da  terra  aos  céus 
levando  o  sacrifício  aos  deuses^,  relinchando  desde  o  pri- 
meiro momento,  i.  e.,  crepitante  no  altar  do  sacrifício,  re- 
bobante,  estridente  no  meio  da  nuvem  como  raio  que  fende 
o  espaço. 

É  ele  que  traz  os  deuses  ao  altar  *^,  é  ele  que  dá  a  vito- 
ria, é  ele  que  salta  por  cima  dos  abismos,  é  ele  o  vencedor 
que  salva  o  herói.  ^  E  ele  que  se  alimenta  dos  ventos,  que 
é  o  amigo  do  vento  ^;  é  ele  o  cavalo  de  que  podemos  dizer 
com  Ariosto :  ^ 

«Questo  è  il  destrier 

Che  di  fiamma  e  di  vento  era  concetto ; 
E  senza  fieno  e  biada,  si  nutria 
DelFaria  pura » 


1  Rigveda,  I,  50,  1,  cf.  com  Itgv,  IV,  45,  6;  etc. 

2  r,  58,  2;  149,  3;  III,  1,  4;  2,  7;  VI,  2,  8;  12,  6;  etc. 

3  III,  27,  14. 

4  I,  14,  12. 

»  Cf.  VIII,  91,  12  com  IV,  2,  8. 

6  Cf.  Rgv.  V,  19,  5 ;  X,  91,  7;  I,  94,  10;  etc. 

">  Orlando  Furíoso.  Canto  XV,  41.  Cf.  Custodio  Jesam  Barata,  -Re- 
ereaçamproveytosa,  part.  I  Colloquio  IV.  E  ma,is Dissertações ,  do  Padre 
António  Pereira  de  Figueiredo,  Dis.  IV«Das  Egoas  daLusitania-;, 
pag.  100-106  do  tomo  IX  da  Hist.  e  Memorias  da  Acad.  líeal  das 
Sciencias  de  Lisboa.  É  notável  que  esta  lenda,  de  as  éguas  concebe- 
rem de  Zéfiro,  é  inseparável  da  lenda  das  Harpias. 

Homero  diz-nos,  que  os  corseis  de  Aquiles  eram  filhos  de  Zéfiro 


67 


Seguros  às  crinas  do  cavalo  májico,  os  companheiros  de 
Simhabãhu  podiam  salvar-se  das  vorazes  Raxasis,  mas  sob 
a  condição,  imposta  a  Orfeu,  de  não  olharem  para  trás. 
Eles  deixam-se,  porém,  seduzir  pe'las  Sereias  de  Ceilão  e 
morrem  às  suas  mãos,  como  Orfeu  às  mãos  das  Bacantes 
da  Trácia;  perdem-se  pe'lo  motivo  que  roubou  a  Orfeu, 
astro  nascente  subindo  para  a  terra^  a  formosa  Eurídice, 
a  aurora  sua  amante. 

Na  mitolojía  semítica  encontra-se  este  mito.  Goldziher  * 
explica  pela  teoria  solar  o  mito  das  filhas  e  mulher  de  Lot. 

Como  tantos  outros  traços  das  antigas  lendas,  também 
este,  diz-me  o  Dr.  F.  Adolpho  Coelho,  se  reproduz  nos 
contos  populares  modernos,  por  exemplo  em  diferentes  ver- 
sões europeias  do  conto  das  «Duas  irmãs  invejosas»^. 

Em  algumas  versões  populares  portuguesas  do  conto, 
que  o  Dr.  Adolpho  Coelho  possui  e  obsequiosamente  me 
mostrou,  dois  dos  três  irmãos,  heróis  de  historia,  quando 
vão  à  busca  de  certos  objectos  maravilhosos  são  converti- 
dos em  estatuas  de  pedra  por  olharem  para  trás  ao  ouvirem 
diversas  vozes. 

As  lendas  de  individuos  convertidos  em  pedras  não  são 
exclusivas  da  raça  árica,  como  vemos  pe'lo  exemplo  de 
Lot.  Mas  ainda  mais :  não  são  exclusivas  da  raça  branca. 
Encontra-se  na  América  do  norte,  como  se  vê  do  «Popol 
Vuh»^  e  dos  estudos  de  Múller  sobre  as  primitivas  relijiões 


e  da  harpia  Podargue  surpreendida  em  um  prado  à  beira  do  Oceano. 
(Ilíada  XVI,  150  segs.) 

Também  os  Árabes  dizem  que  o  seu  cavalo  é  filho  do  vento  do 
deserto.  (F.  Gen.  Dumas,  Le  cheval  du  désert,  mceurs,  etc.)^  e  entre  os 
Chins  há  a  lenda  dum  país  de  Amazonas  que  concebem  da  sombra 
dos  homens.  (Williams,  The  Middle  Kingdom,  3.*  ed.,  II,  154). 

1  O.  c,  189-197. 

2  Veja- se  a  lista  das  versões  dadas  pe'lo  meu  colega  Coelho  na 
sua  colecção,  Contos  populares  portuguezes,  páj.  19-20. 

^  Le  lh're  sacré  et  les  mythes  de  Vantiquité  américaine,  avec  les 
livres  héroiques  et  historiques  des  Quichés.»  Orijínal  e  trad,  dados 
pe'lo  Abbé  Brasseur  de  Bourbourg,  páj.  343-34.^. 


68 


dos  Índios  americanos.  *  A  maneira  pe'la  cual  estas  lendas 
aí  são  explicadas  é  uma  comprovação  da  teoria  solar,  que 
em  si  não  é  falsa,  mas  só  defeituosa  cuando  exclusiva  nas 
explicações  mitolójicas,  como  dela  exajeradamente  se  teem 
servido  alguns  mitólogos :  «Um  jigante  guardava  as  caver- 
nas onde  estavam  os  homens  que  a  Màe-terra  tinha  pro- 
duzido ;  uma  noite  este  jigante  deixou  as  cavernas,  e  depois 
do  romper  da  alva,  o  sol  surprehende-o  e  transforma-o  no 
rochedo  Cauta)). 

Não  podemos  deixar  de  ver  nesta  lenda  a  semelhante  da 
lenda  de  Atlas,  o  jigante  do  ocidente,  transformado  em 
monte.  E  pe'la  relação  em  que  mitolójicamente  está  Atlas, 
Perseu  de  ^es  alados  e  as  Gorgonas  (às  cuais  foram  compara- 
das as  mulheres  selvajens  de  Hanon),  e  ainda  o  cavalo  Pé- 
gaso^ que  nasce  do  sangue  de  Medusa,  não  será  possível  negar 
que  por  toda  a  parte  estas  transformações  em  pedra  são 
lendas  cuja  explicação  está  na  passajem  do  dia  para  a  noite, 
e  na  entrada  ou  queda  do  Sol  nò  mundo  das  trevas,  em  o 
mundo  subterrâneo  chamado  Tártaro  pe'los  gregos,  Talá- 
tala  pe'los  Arias-híndus^,  invisível  como  a  rejião  Amenti 
dos  Ejipcios^,  de  que  dá  conta  satisfatória  a  teoria  solar; 


1  J.  G.  Miiller,  Geschichíe  der  amerikanischen  Urreligionen,  Basel 
1855,  pag.  179,  Cf.  pag.  110. 

2  Benfey,  Hermes,  Minos,  Tártaros. 

3  Falarmos,  neste  logar,  da  Amenti  não  é  um  acaso,  nem  uma 
comparação  indiferente  e  desnecessária.  O  motivo  é  justo,  e  a  com- 
paração calculada.  O  cap.  XV  do  Livro  dos  Mortos  diz  :  «A  tarde  o 
sol  volta  a  sua  face  para  a  Amenti».  Pierret,  no  Vocabulaire  Hiéro- 
glyphique,  páj.  29,  diz  :  «Ament,  Amenti,  enfer,  région  ou  se  cache 
le  Soleil,  séjour  des  ames  après  la  mort.»  E  mais  abaixo :  «Ament, 
rOuest,  la  région  occidentale»,  Cf.  do  mesmo  autor  Dict.  d'Arckéo- 
logie  Egyptienne,  s.  v. 

A  esta  definição  de  Amenti  vem  ainda  juntar-se  o  que  dizem  P. 
Guieysse  e  E.  Lefébure,  em  Le  Papyrus  Funéraire  de  Soutimes, 
pag.  4:  «II  semble  même  que  les  mythes  de  TEgypte,  moins  diver- 
sifiés  par  les  legendes  et  les  jeux  de  mots  que  ceux  de  la  race  indo- 
européenne,  devraient  se  laisser  plus  aisémeut  pénétrer.  Les  tex- 


69 

nem  será  possível  negar  a  íntima  conexão  entre  os  elemen- 
tos mitolójicos  das  lendas  orientais,  que  ficam  dadas,  e  os 
idênticos  das  lendas  da  antiguidade  clássica. 

Ligam -se  ainda  a  estas  lendas  superstições  que  encon- 
tramos em  nossos  dias  pe'la  Europa :  assim  em  Portugal 
diz  o  povo  que  «andar  para  trás  é  cair  no  inferno»  e  os 
Noruegos  dizem  que  «quem  anda  para  trás  atira  com  o 
pai  e  com  a  mãe  para  o  inferno»  como  dizem  igualmente 
que  «é  bater  na  mãe  bater  na  terra»  e  «é  bater  no  pai 
bater  em  uma  pedra»;*  superstições  estas  que  também  se 
encontram  do  outro  lado  do  Oceano,  na  América,  segundo 
MiillerS. 


tes  hiéroglypliiques  nous  apprennent,  sans  contestation  possible, 
que  depuis  les  premiers  siècles  jusqu'aux  derniers,  la  plupart  des 
divinités  ont  gardé  leurs  significations  originelles,  qu'indiquent 
leurs  noms,  et  que  les  prêtres  ne  perdaient  pas  de  vue.  Pour  ceux-ci 
comme  pour  nous,  Ra  est  le  soleil,  Shu,  la  clarté.  Nu,  le  ciei,  Hapi, 
le  Nil,  Amenti,  Toccident,  etc.» 

1  Liebrecht,  Norwegischer  Aberglaube,  in  Volkskunde,  páj.  130  e 
segs.  n.°  174  a,  b. 

2  Op.  ciL,  páj.  110.  Cf.  Grimm,  Deutsche  Myth.,  2.»  ed.  538  ap.  L. 


xin 

As  pegadas  dum  deus  no  alto  dum  monte 

I.  —  Pegada  de  Adão  e  Ponte  de  Adão 

Expliquemos  agora  o  mito  das  pegadas  divinas,  e  diga- 
mos como  o  facto  natural  do  monte  do  Samanela  condiz 
com  o  simbolismo  árico. 

Assim  como  a  concepção  árica  do  cavalo  branco  do  herói 
provém  dum  mito  solar  e  do  mito  da  nuvem,  assim  tem  sua 
explicação  semelhante  a  crença  em  vestijios  da  passajem 
de  uma  divindade  sobre  a  terra,  e  principalmente  a  crença 
em  pegadas  divinas  no  alto  de  montanhas. 

Advirta-se  todavia  que,  entre  povos  para  explicação  de 
cuja  mitolojia  não  devemos  fazer  intervir  as  crenças  e 
simboHsmos  áricos,  existe  a  lenda  das  pegadas  de  um  herói, 
ou  de  um  deus. 

Na  relijião  búdica  o  cavalo  e  os  pés  de  Buda  são  objec- 
tos da  maior  veneração  nos  seus  templos.  E  como  tais -os 
vemos  representados  nos  baixos  relevos,  nas  esculpturas  ;  e 

« . . . .  em  Ceylâo  que  o  monte  se  alevanta 
Tanto,  que  as  nuvens  passa,  ou  a  vista  engana, 
Os  naturaes  o  tem  por  cousa  sancta 
Pela  pedra  onde  está  a  pegada  humana. 

L.  X.,  foi.  183. 

Camões  e  já  antes  Duarte  Barbosa  tiveram  conhecimento 
deste  vestijio  da  lenda  búdica;  mas  vê-se  que  a  ouviram 


dos  Árabes.  Gaspar  Correia  concorda  com  o  que  diz  Duarte 
Barbosa.  António  Tenreiro,  no  seu  Itinerário  refere  cousa 
semelhante  duma  pedra,  que  viu  em  Cefete,  «branqua 
como  mármore  em  que  estavam  assinadas  duas  pegadas  de 
pee  grande  e  mujto  poydas  das  mãos  de  os  mouros  as 
porem  em  ellas .  . .  polas  terem  em  grande  veneraçam  por- 
que dizem  que  aquellas  pegadas  deyxou  Moyses  em  aquella 
pedra . . . »  ^ 

O  nome  de  «pegada  de  Adão»,  em  logar  de  «pegada 
de  Buda»,  dado  à  depressão  no  alto  do  Samanela  não  é  o 
único  exemplo  dum  nome  indiano  substituído  por  outro  de 
orijem  árabe.  Assim  chamaram  os  Árabes  «Ponte  de  Adão» 
à  «Ponte  de  Kama»,  à  linha  de  rochedos  que  se  alonga 
desde  o  continente  asiático  até  a  ilha  de  Ceilão,  como 
poldras  enormes  lançadas  por  Hánumat,  desde  a  extremi- 
dade da  costa  de  Coromandel  até  a  ilha  do  terrível  Rávana, 
para  passajem  das  tropas  do  heróico  Rama,  e  chamada 
Setu-bandha  {Ramáiana,  ed.  de  Gorresio,  V.  95;  trad., 
vol.  IV,  cap.  95;  em  o  magnífico  resumo  de  H.  Fauche 
que  é  o  Ramáiana,  para  assim  dizer  popular  no  ocidente 
da  Europa,  este  capítulo,  onde  se  descreve  a  faina  dos 
exércitos  aliados  construindo  a  «Ponte  de  Rama»,  está  a 
páj.  163-165  do  tomo  II). 


De  terras  baixas  corre  a  ilha  de  Ceilão  de  7°  51'  de 
latitude  para  o  sul,  levantando-se,  pouco  a  pouco,  e  vindo 
a  erguer-se  em  altíssimas  serras,  que  das  nuvens  caiem, 
cuási  de  repente,  sobre  a  outra  banda  do  mar. 


1  Livro  de  Duarte  Barbosa,  no  tomo  II  da  CoUecção  de  Noticias 
para  a  Historia  e  Geografia  das  Nações  ultramarinas  que  vivem  nos 
Dominios  Portuguezes  publicada  pela  Academia  Real  das  Sciencias, 
paj.  351  da  2.^  ed.;  Lendas  da  índia  por  Gaspar  Corrêa  publicadas 
de  ordem.  . .  da  Academia,  Eeal  das  Sciencias  de  Lisboa,  etc,  tomo  I, 
páj.   650;   Itinerário,  etc,  ed.  Rollandiana,  páj.  76. 


I 


li^BiP' 


73 


Dos  montes  que  formam  a  copa  deste  honé  de  Jockey  é 
notável  o  Samanela  «Pedra  do  concilio  divino  na  monta- 
nha»* a  que  os  Europeus^  seguindo  os  Árabes,  denominam 
Pico  de  Adão,  e  antes  os  Budistas  tinham  chamado  siri- 
pãda  em  páli,  em  sámscrito  srTpãda  «signal  do  pé  do 
Bemaventurado »  porque  ali  crêem  que  é  ainda  visível  a 
pegada  de  Buda. 

O  verdadeiro  nome  páli  desta  montanha  é  sumana- 
kuta  assim  chamado  porque  a  divindade  (deva)  Sumana 
aí  habitava,  diz  Childers  (Pali  Dict.,  s.  v.),  «montanha 
dos  felizes»  ou,  como  diz  Lassen^  «montanha  dos  Deuses». 
Outro  nome  desta  montanha  é  subhakuta  «o  monte  bri- 
lhante», o  último  de  que  no  sul  se  despede  o  sol  poente^, 

Hardi,  Manual  of  Budhism,  páj.  211-212,  dá  a  seguinte 
lenda  ceilonense : 

«The  dcAva  (a  divindade)  of  Samantakúta  (outro  nome  do 
Samanela),  Samana,  having  heard  of  the  arrival  of  Budha, 
went  to  the  place  where  he  was ;  and  after  he  had  Avor- 
shipped  him,  he  presented  a  request  that  he  would  leave  an 
impression  of  his  foot  upon  the  mountain  of  which  he  was 
the  guardian.  That  it  might  be  worshipped  during  the  five 
thousand  years  his  religion  would  continue  among  men  .  .  . 
Budha  went  to  it  (the  mountain)  through  the  air  attended 


í  «It  is  7420  feet  above  the  levei  of  tlie  sea  and  was  consiclered 
as  the  highest  mountain  in  the  island;  but  it  has  been  discovered, 
since  the  English  carne  into  possession  of  the  interior,  that  there 
are  at  least  three  others  that  are  higher,  Pidurutalagala  having  an 
elevation  of  8280  feet.  It  will,  however,  always  be  the  most  remark- 
able,  from  the  many  legenda  connected  with  it,  and  the  conspic- 
uousness  of  its  appearance  especially  from  the  sea;  it  is  an  insu- 
lated  cone,  rising  boldly  into  the  sky,  and  generally  cloud-capped. 
It  is  supposed  by  the  Chinese  (Davis's  Chiuese)  that  at  its  base  is 
a  temple,  in  which  the  real  body  of  Budha  reposes  on  its  side,  and 
that  near  it  are  his  teeth  and  otlier  relics').  (Spence  Hardy.  A  Man- 
ual of  Dudhism,  1.^  ed.,  páj.  211.) 

2  Lassen,  Indische  AUerthumskunde,  2.»  ed.,  vol.  i,  páj.  233-34, 

3  Na  hipótese,  na  idéa  de  que  fosse  o  mais  alto.  Cf.  porém  nota  1. 


74 


by  ÕOO  rahats  (sane tos).  At  the  right  liand  of  the  sage  was 
Samana,  in  beautiful  garments  and  ricli  ornaments,  attend- 
ed  Ly  ali  his  inferior  dewas,  with  tlieir  queens  wlio  made 
music  and  carried  flags  and  banners,  and  scattered  around 
gold  and  gems.  Seki'a,*  Maha  Brahma,^  and  Tswara,^  were 
ali  tliere  with  their  attendant  retinues;  and  like  the  rolling 
of  the  great  ocean  upon  Maha  Méru  or  the  Yugandhara 
rocks,  was  their  arrival  at  the  mountain.  The  sun  remain- 
ed  in  the  midst  of  the  sky,  but  his  rays  were  cold  as 
those  of  the  moon ;  there  was  a  slight  falling  of  rain  like 
the  water  that  is  sprinkled  aronnd  a  throne  to  allay  the 
dust;  and  the  breeze,  charged  with  SAveet  perfume,  carne 
from  ali  sides  to  refresh  the  illustrious  visitant,  At  his  ap- 
proach,  ali  the  trees  of  the  moutain  were  as  though  they 
danced  in  gladness  at  the  anointing  of  a  king.  In  the  midst 
of  the  assembled  deAvas,  Budha,  looking  towards  the  east, 
made  the  impression  of  his  foot,  in  length  three  inches  less 
than  the  cubit  of  the  carpenter ;  and  the  impression  remain- 
ed  as  a  seal  to  show  that  Lanká  is  the  inheritance  of 
Budha,  and  that  his  religion  will  here  flourish». 

Hardi  esclarece  dizendo  em  nota  que  o  vestijio  dos  pés 
de  Buda  é  uma  aindentation  upon  the  summit  of  Adam's 
peak.»  Ibn  Batutah  descreve  o  pé  de  Adão  na  ilha  de 
Serendib  (Ceilão)  dizendo : 

«La  marque  du  noble  pied,  celui  de  notre  père  Adam, 
se  voit  dans  une  roche  noire  et  haute,  et  dans  un  endroit 


1  Seera,  Sacra  ou  Saca  (Sakka  em  páli,  Sakra  em  ser.  «pode- 
Yoso»  epíteto  de  Iiidra)  é  um  arcanjo  do  paraíso  Tavatinsa.  V.  Chil- 
ders,  Pali  Dict.,  s.  v.    Sako,   mãro. 

2  Não  se  confunda  com  o  Brakma  da  relijião  puránica.  Na  dos 
Pítacas  (livros  sagrados  búdicos)  Maha  Brahma  «is  simply  the 
ruler  of  a  brahma-loka»  (H.  p.  41),  dum  mundo  celestial  superior. 
Veja-se  Childers,  Pali-Did.,  u.  s. 

'  Não  se  confunda  com  is  vara  «supremo  senhor»  em  sámscrito. 
Na  relijião  búdica  encontram-se  como  «arcanjos»  algumas  das 
principais  divindades  brahmánicas.  Veja-se  Childers,  ut  supra. 


7õ 


spaciexix.  Le  pied  s'est  enfoncé  dans  la  pierre,  de  sorte 
que  son  emplacement  est  tout  deprime;  sa  longueur  est 
de  onze  empans.  Les  habitants  de  la  Cliine  y  vinrent  ja- 
dis ;  ils  ont  coupé  dans  la  pierre  la  place  dii  gros  orteil  et 
de  ce  qiii  Tavoisine,  et  ont  déposé  ee  fragment  dans  iin 
temple  de  la  ville  de  Zeitoim  (Tseu-thoung)  oíi  ils  se  ren- 
dent  des  provinces  les  plus  éloignées». 

O  Dr.  Davy*  diz  que  a  pegada  de  Buda  é  «a  superficial 
hoUow  live  feet  three  inches  and  three  quarters  long, 
and  between  two  feet  seven  inches  and  two  feet  five  inches 
wide»  ;  Gaspar  Correia,  que  dá  mais  pormenores  do  que 
Duarte  Barbosa,  diz  que  a  pegada  «he  de  hum  covado  de 
comprido,  e  meo  de  largo» ;  o  autor  do  livro  Fatalidade 
Histórica  da  Ilha  de  Ceilão,  diz  que  no  cume  do  Pico  está 
«huma  planicie  mui  redonda,  e  tem  de  diâmetro  duzentos 
passos,  onde  se  vê  huma  alagoa  mais  profunda  que  dilatada, 
de  excellente  agua  manancial :  . .  .Em  o  meio  daquelle  ter- 
reiro se  vê  huma  lagem  grande  sobre  algumas  pedras  la- 
vradas, e  nella  estampada,  como  em  cera,  huma  pegada 
de  dous  palmos  em  comprido  e  oito  dedos  de  largo»  ^. 

II.  —  A  pegada  divina  e  o  naturalismo  àrico 

O  facto  natural  é  pois  uma  depressão  no  alto  do  monte. 

Das  lendas  que  explicam  esse  facto  só  a  búdica  tem 
importância  científica  e  histórica.  Deixemos  pois  de  parte 
cuanto  o  mohametano  Masudi  e  o  nosso  cronista  Osório 
nos  relatam  da  raça  de  Caim  e  dos  túmulos  de  Adão  e  Eva 
naquela  ilha;  e  vejamos  como  se  explica  em  mitolojía  a 
orijem  da  lenda. 

São  mitos  que  se  correspondem  o  mito  do  cavalo  do  herói 
e  o  mito  das  pegadas  divinas.  Mas  o  cavalo  do  herói,  que 


1  Apud  Sp.  H.,  op.  cit,  páj.  212. 

^  C.  de  Noticias  p.  a  Hisi.  e  Geogr.  d.  P.  Ultramarinas,  V,  da 
1.'  ed.,  páj.  63. 


76 


o  defende,  que  o  aconselha,  que  bate  mesmo  e  vence  os 
inimigos  do  herói,  representa  a  força,  a  rapidez,  a  enerjía, 
a  luz,  a  vida  emfim ;  as  pegadas  divinas  são  o  vestijio  duns 
pés  misteriosos  que  não  se  conhecem,  que  ninguém  viu, 
e  que  apenas  ali  deixaram  selado  o  testemunho  da  sua 
passajem  depois  do  desaparecimento  da  divindade.  Entre 
os  Gnósticos  as  solas  dos  pés  gravadas  em  pedras  repre- 
sentavam a  morte  ^ 

Os  últimos  raios  do  sol  atravessando  o  espaço  e  como 
que  lutando  com  a  força  que  arrasta  o  deus  luminoso  à  pira 
que  o  devora,  os  x\\úmo&  padas,  i.  e.,  os  últimos  «raios», 
dourando  as  cumiadas  dos  montes  e  como  que  emerjindo  do 
abismo,  são  o?, padas,  i.  e.,  os  «pés»  desse  deus  cuja  túnica 
vermelha  é  o  crepúsculo  e  ele  despe  cuando  vai  morrer  2. 

E  ao  meio  desses  jpacZas^  («pés  e  raios  (jumãos  dos  astros» 
em  sámscrito^J,  dies,&e& padas  de  luz,  vê-se  ainda  nos  últimos 
momentos  o  disco  solar  pe'la  impressão  que  deixou  na  re- 
tina. A  sua  cor  avermelhada  é  como  que  chaga  sangrenta 
dum  cruel  tormento. 

Esses  pés  converjem  mesmo  um  para  o  outro,  sobre- 
põeem-se,  e  o  deus  dos  passos  largos,  o  deus  dos  três  passos, 
fica  o  deus  de  um  só  passo,  e  o  deus  de  um  só  pé  cujo 
tornozelo  não  se  vê,  ou  como  o  explicam  os  Siameses, 
cujo  tornozelo  está  ao  meio  do  pé,  e  cujos  dedos  são  unidos 
como  os  de  um  g alapada,  os  dum  j^5aZ7Ȓpec7e. 

Esta  concepção  tão  singular  do  pé  do  deus  tem  grande 
valor,  se  a  compararmos  com  a  concepção  de  que  o  Buda 
Chacravartine  tem  o  pescoço  sem  movimento  independente 
do  corpo  e  que  olha  sempre  de  face,  sempre  na  mesma 
posição  e  tem  de  voltar  todo  o  corpo  cuando  volta  o  rosto. 


1  C.  W.  King,  The  Gnostics  and  tlieir  Remains,  Londres,  1864. 

2  Em  etíope  «raios  do  sol-)  ^ «pés  do  sol»;  e  num  hino  babilónico 
ao  Sol  lê-se  «pés»  ^  «raios  (do  sol)».  V.  Journal  Asiatiqve,  novem- 
bre-décembre  1888,  p.  517.  Em  sámscrito  pada  significa  «raio  do 
sol,  ou  dum  astro,  pé,  mão  dum  astro.» 


i  i 


É  indubitavelmente  a  concepção  antropomórfica  do  sol  *. 

A  complicação  dos  mitos,  e  dos  ritos  que  são  a  sua 
imajem,  resulta  da  combinação  das  observações  naturais 
com  a  idéa  do  culto  na  sua  forma  mais  símplez.  O  ritual 
védico  é  a  reproducção  da  mitolojía  védica;  e  o  dominio 
da  mitolojía  védica  abranje  a  Terra  e  o  Céu.  O  mitólogo, 
por  consecuencia,  não  pode  explicar  a  mitolojía  védica  só 
pelo  Céu  nem  só  pela  Terra. 

E  de  facto  o  ritual  representa  os  fenómenos  do  mundo 
celeste,  e  o  mundo  celeste  só  conserva  a  sua  ordem  pe'la 
ordem  do  sacrifício.  A  ordem  litúrjica  e  a  ordem  cosmo- 
gónica são  interdependentes. 

Dizía-me  um  dia  Adolpho  Coelho :  —  «Jamais  deve  o 
mitólogo  esquecer  que  o  céu,  a  terra  e  o  mar  se  confundem 
cuando  o  homem  rudo  explica  os  fenómenos  da  natureza; 
o  que  há  na  terra  há  no  mar  e  o  que  há  no  mar  há  na 
terra,  e  o  que  há  no  céu  há  na  terra  e  no  mar». 


Partindo  deste  principio  de  que  já  me  servi  neste  es- 
crito, tento  dar  outra  explicação  das  pegadas  divinas  no 
alto  dum  monte. 

Ao  montículo  de  terra,  altar  levantado  no  logar  do  sacri- 
fício védico  e  a  oriente,  chamava-se  vedi.  A  uttara- 
vedi  superior,  culminante,  é  a  vedi  do  fogo.  Ao  meio 
tinha  uma  cova  a  que  se  chamava  nãbhi,  i.  e.,  «um- 
bigo», onde  se  lançavam  os  bocados  da  carne  e  o  soma^ 
a  bebida  dos  deuses  e  dos  sacrificadores,  fermentada,  com- 
bustível, às  chamas  do  fogo  do  sacrificio. 

Extincto  este,  morto  Agni,  ficam  apenas  os  vestijios  no 
logar  onde  ele  pousara,  fica  a  nãbhi,  a  cova  aberta  no 


•  Cf.  com  toda  esta  explicação  Sénart,  Essai  sur  la  legende  du 
Buddha». 


78 


cimo  do  monte  mais  alto  como  pegada  única  desse  deus 
que  ali  se  extinguiu. 

Assim  o  hino  1G4  do  mándala  I  do  Rigveda  diz  na  ri- 
che  34: 

«Pergunto-te  pe'lo  fim  mais  extremo  da  terra;  pergun- 
to-te  onde  é  o  umbigo  do  mundo;  pergunto-te  pe'la  semente 
do  cavalo;  pergunto  pe'lo  mais  alto  céu  da  voz». 

E  na  riche  35  responde-se : 

«Esta  vedi  é  o  mais  extremo  fim  da  terra;  este  sacrífi- 
cio  é  o  umbigo  do  mundo  * ;  este  soma  é  a  semente  do  ca- 
valo;  este  Bráhmane  o  mais  alto  céu  da  palavra». 

O  meu  professor  em  Munique,  o  falecido  dr.  Martinho 
Haug,  o  orientalista  que  melhor  explicou  este  hino  tão  eri- 
çado de  espinhosas  dificuldades,  e  de  problemas  misterio- 
sos, não  diz,  em  o  estudo  consagrado  ao  hino  e  por  ele 
próprio  pouco  antes  de  morrer  publicado  com  o  título  de 
nVedische  Eaethselfragen  und  Baethselsprilchei)'^  o  que  seja 
o  cavalo.  Mas  nem  carecia.  E  a  nuvem  prolífica  que  pe'las 
chuvas  traz  a  fertilidade  à  terra,  é  ainda  o  cavalo  de  Agni 
ou  o  próprio  Agni,  o  fogo  celeste,  mensajeiro  do  sacrificio 
ou  conductor  dos  deuses  para  sobre  o  altar  do  sacrificio. 

E  prolífico,  porque  ao  fogo  celeste,  ao  raio,  sucede-se 
a  semente,  i.  e.,  a  chuva  que  torna  a  terra  própria  para  a 
produção  e  que  leva,  como  em  diferentes  passos  dos  Vedas 
se  menciona,  o  fogo  ao  seio  das  plantas. 


1  Confronte-se  a  concepção  grega  de  que  o  templo  de  Delfos  era 
o  centro  do  mundo.  Os  budistas  julgavam  também  que  o  centro  do 
mundo  era  rigorosamente  marcado  pe'la  árvore  sagrada  do  templo 
próximo  de  Buda  Gaia.  Tanto  em  Roma  como  na  Grécia,  Vesta,  Hes- 
tia,  designam  e  santificam  o  lume  no  centro  do  altar,  o  lume^no  in- 
terior da  casa,  o  lume  da  povoação,  o  lume  da  cidade,  o  do  povo 
sujeito  à  lei  pátria,  o  fogo  central,  a  Terra  como  centro  do  Universo. 

2  E  um  Separatabdruck  dos  «Sitzungsberichten  der  philosoplii- 
schen  und  historischen  Klasse  der  koeniglich  baierischeu  Akademie 
der  Wissenschaften  zu  Miinchen»  e  tem  por  título  subsecuente 
àquele  «Uebersetzung  und  Erklârung  des  Dirgbatamas  Liedesi 
lígv.  I,  164«.— Miinchen  1876. 


79 


O  mais  alto  céu  da  voz  é  o  Bráhmanc,  diz  a  riclie  35. 
E  o  Dr.  Martinho  Haug  explica:  «O  Bráhmane  de  que 
se  trata  c  provavelmente  apenas  o  Brahmá,  presidente  ao 
sacrifício ;  nele  se  encontra  toda  a  ciência  sagrada,  —  todos 
os  hinos,  sentenças  etc,  —  que  só  ele  com  a  sua  voz  pode 
entoar  è  fazer  ouvir». 

A  esta  explicação  posso  ainda  acrescentar:  que  o  Brahmá 
presidindo  ao  sacrifício  não  era  o  mais  alto  céu  da  voz  se- 
não como  representante,  na  terra,  do  deus  que  fazia  ouvir 
a  sua  voz  no  céu.  E  ela  a  vãg  ãmbhrni,  a  «voz  da 
nuvem»  cantada  em  o  hino  125  do  mándala  X  do  Rigveda, 
e  no  hino  30  do  canda  IV  do  Atarvaveda*  É  ela  a  voz  que 
anuncia  a  vontade  do  deus ;  é  ela  a  mensajeira  do  céu,  a 
inspiradora  porque  revela  a  palavra  sagrada,  a  «mensajeira 
divina»  de  que  falam  os  Ríxis,  os  poetas  védicos,  e  tam- 
bém Homero ;  é  ela  a  que  proclama  a  lei  da  ordem  uni- 
versal tanto  comosgónica  como  litúrjica.'^  E  ela  como  a  voz 
da  çarça  ardente,  terrível  e  ameaçadora;  mas  também 
suave  e  májica  como  o  canto  da  flauta  dos  Matutes  e  de 
lama.  E  ela  que  se  faz  ouvir,  descendo  sobre  a  terra,  de 
lá  de  cima,  do  deva-sãdanam,  da  «morada  dos  deuses» 
onde  subiram  os  mortais  que  fícaram  imortais,  e  onde  cor- 
rem a  flux  ondas  de  soma  e  onde  ecoam  os  cânticos  e  as 
melodias  da  flauta  divina  de  lama^  onde  está  a  árvore  de 
esplêndidas  folhas  ^. 

E  se  recordarmos  fínalmente  que  em  mitolojía  (árica, 
pe'lo  menos),  árvore,  montanha  e  altar,  são  sinónimos  e  ex- 
pressões cuási  idênticas,  fíca  assim  plenamente  conhecida 
a  ligação  «do  cavalo  do  herói»  e  das  «pegadas  do  deus» 
no  alto  de  montanhas,  símbolos  cuási  inseparáveis  na  reli- 
jião  búdica. 


1  Veja-se  a  magnífica  tradução  de  Whitney  em  os  Essays,  de 
Colebrooke,  vol.  I,  páj.  113. 

2  Bigveda,  I,  151,  4,  6 ;  com  13,  3. 
^  Cf.  Rigveda,  X,  14,  com  X,  135. 


80 


Para  maior  contirmaçâo  do  que  fica  dito  encontra-se  no 
Rigveda  a  expressão  ilas-pade  (II,  10,  1;  etc.)  a  na  pegada 
ou  no  logar  de  Ilá  (à  letra)»  designando  o  logar  onde  Má- 
nus  acendeu  o  lume  e  fez  erguer  Agni.  A  esta  expressão 
corresponde  outra  ilãjãs-pade  (III,  23,  4;  etc),  designa- 
tiva do  logar  onde  nasceu  Agni. 

Ilã  é  a  agua  da  nuvem,  é  o  arco-íris,  é  o  bem  em  jeral 
que  os  homens  recebem  da  divindade,  é  a  oferta  sacrificial. 
Personificadamente  é  a  filha  de  Mánu,  tem  o  seu  logar  no 
altar  do  sacrifício,  na  morada  dos  sacrificadores,  onde  está 
assentada;  é  também  na  lenda  do  diluvio  a  filha  e  a  mu- 
lher de  Mánu,  é  a  filha  da  oração  personificada,  é  a  mãe 
dos  homens  actuais.  Nesta  ordem  de  idéasllã,  personifi- 
cação da  súplica  e  da  oração  dos  homens  para  com  a  di- 
vindade, é  uma  gn  ã,  um  ente  feminino  e  divinal,  amante  do 
deus  (por  excelência  Agni)  a  quem  se  entrega  ao  nascer 
do  sol  e  à  hora  em  que  o  sol  desce  abaixo  do  horizonte, 
unjida  do  pingo  santo  do  sacrificio,  como  Aramati  outra 
personificação  da  prece. 

Finalmente :  diz  o  Rigveda  que  «três  vezes  Víxnu  (o  Sol 
ou  Agni,  neste  logar)  pôs  o  pé  sobre  a  Terra  deixando  a 
pegada  no  pó»  (I,  22,  17),  e  que  «a  pegada  superior  do 
pé  de  Víxnu  é  o  logar  mais  alto  de  Agni»  (X,  1,  3),  «o 
cual  tem  ali  a  forma  misteriosa»  (V.  3,  3),  e  que  «o  logar 
supremo  que  o  preste  acende  é  o  da  pegada  suprema  de 
Víxnu»  (I,  22,  21). 

Assim,  pois,  concluímos  que  ao  mito  das  pegadas  de 
um  deus  no  alto  de  um  monte  corresponde  litúrjicamente 
o  logar  onde  se  acende  o  lume,  o  logar  que,  cosmogónica- 
mente,  é  o  centro  do  Mundo  * ;  e  que  dentre  os  fenómenos 
naturais  corresponde  a  esse  mito  o  erguer  e  o  pôr  do  sol. 


^  Cf.  na  mitolojía  clássica  greco-latina  Yesta,  o  altar  de  Vesta, 
o  centro  do  Mundo,  recorde-se  páj.  78,  linhas  9-11  e  a  nota  respec- 
tiva. 


EEJISTEO  ALFABÉTICO 


Adrasto.  V.  cavalo. 

Aggasãvikã,  20  n.  7. 

Agni,  ágni :  66,  77,  78;  compa- 
rado a  um  cavalo,  66 ;  cavalo 
de  — ,  78,  leva  o  sacrificio  aos 
deuses,  66,  78;  traz  os  deuses 
ao  altar  do  sacrificio,  66,  78; 
alimeuta-se  do  vento,  66 ;  ami- 
go do  vento,  66;  logar  mais 
alto  de  -,  80. 

Agrasrãvikã,  20  n.  7. 

agua  maravilhosa,  64. 

Ainos  :  lenda  da  sua  orijem,  6. 

Alexandre.  V.  cavalo. 

Amazonas  que  concebera  da 
sombra  do  homem,  67  n.  de  p. 
66. 

Amenti,  68  e  n.  3. 

Andamanes :  têem  aspecto  de 
cão,  5  ;  lenda  da  sua  orijem,- 5 
-    n.  1. 

andar  para  trás,  69. 

Antão  (S.),  10. 

antropófagos,  6. 

antropofajía.  6. 

Aquiles.  V.  cavalo. 

Aralez  ou  Arlez,  9. 

arco-íris,  80. 

Arion,  59. 


árvore,  78  n.  1;  de  esplêndidas 
folhas,  79 ;  folhas  de  —  que  se 
mudam  em  vasos  de  ouro,  28 ; 
— ,  montanha  e  altar,  79.  V. 
Cares. 

assassínios  que  se  referem  à  edi- 
ficação duma  cidade,  .54. 

Átila,  7. 

Atlas,  68. 

avadãna,  avadana,  61  n  2. 

Axuatáman.  V.  cavalo. 

Axuínos.  V.  cavalo. 

Baiardo.  V.  cavalo. 

bastão.  V.  cajado. 

Belgas :  antropófagos  no  tempo 
dos  Romanos,  6. 

'A  Bengala  de  Mr,  de  Balzac', 
60. 

Berma.  V.  Cares. 

Bodisatua:  nascido  duma  égua, 
48;  sua  côr,  etc,  48.  Cf.  ca- 
valo branco  do  herói. 

Borus,  os  antigos  Prussianos, 
homens  com  focinho  de  cão,  6. 

botas :  de  cortiça,  60 ;  do  rapaz 
que  procura  as  três  irmãs,  60, 
61  n.  1. 

Brahma,  74  n.  2. 

Brahmá,  79. 


82 


Bráhmane,  79. 

bruxa,  8. 

Buda,  49.  V.  Bodisatua,  cavalo, 
Chacravartine,  pegada,  Sara- 
buda,  Tatágata,  vento. 

cabeleira  maravilhosa,  60. 

cadela  que  amamenta  Ciro,  7. 

cães,  de  que  descendem  heróis, 
substituídos  na  lenda  por  lo- 
bos, 7.  V.  Gares,  Cérbero,  Chi- 
nuate,  lama. 

caixão  de  defunto :  atravessar 
com  um  — ,  vazio,  por  cima 
dos  caboucos  da  casa,  54. 

cajado  maravilhoso,  63. 

Çamatra,  lo. 

Cántaca  ou  Kanthaka.  V.  rin- 
chão. 

cantos  májicos,  58.  V.  flauta. 

cão:  vermelho,  6;  homens  com 
focinho  de  — ,  6 ;  animal  sa- 
grado, 9 ;  a  sua  lingua  é  ben- 
ta, 9 ;  o  olhar  do  — ,  9  ;  lendas 
de  indivíduos  ou  povos  oriun- 
dos de  um  —  3,  5,  6,  8.  V.. 
cães,  Aralez,  Cérbero,  lama, 
ludíxtira. 

capa :  do  Diabo-coxo,  60.  F.  ta- 
pete, proloquio. 

çapatos  encantados,  60,  60  n.  2. 

Cara-Quirguizes,  lenda  da  sua 
orijem,  6. 

Cares  de  Pegu  e  sul  de  Berma, 
3;  trazem  suas  naturas  em  cas- 
cavéis, 4 ;  escondem-nas  em 
canas,  andam  nus,  5 ;  copu- 
lam-se  como  cães,  5;  os  ho- 
mens teem  boca  e  fauces  de 
cão,  5;  as  mulheres  são  for- 
mosas e  cobrem  o  corpo  com 
folhas  de  árvores,  5. 

Caribas,  como  os  descreveram 
os  Cubanos  a  Colombo,  6. 

cavalo:  de  Adrasto,  59;  alado, 
descrito  por  Ariosto,  59,  66; 


de  Ágni,  78;  de  Alexandre, 
60;  de  Aquiles,  60;  de  Axua- 
táman,  60;  dos  dois  Axuínos, 
60;  de  Baiardo,  60;  de  Buda 
ou  do  Chacravartine,  65,  65 
n.  3,  71 ;  de  Darío,  60;  de  Es- 
quírnero,  60;  de  Indra,  60; 
de  Kávana,  60;  do  Sol,  66; 
íilho  do  vento,  66,  67  n.  de  p. 
66.  V.  Agni,  Soma. 

cavalo  branco  do  herói.  V.  sg. 

cavalo  maravilhoso  ou  májico, 
cavalo  do  herói,  25,  26,  37, 
41,  71,  75,  79 ;  játaca  do  — ,  ou 
do  cavalo-nuvem,  45  sgs.,  54, 
59,  60;  transformações  do  — 
nas  lendas,  60. 

Ceilão,  13,  72,  74;  conhecida 
2400  anos  antes  da  nossa  era, 
14,  n.  3.  V.  Ceylão,  sândalo. 

centro-do-mundo,  78  n.  1,  80. 

Cérbero,  9;  os  cães  de  cuatro 
olhos,  9,  e  n.  2  na  p.  10,  p.  10 
n.  1. 

Ceylão,  71.  V.  Ceilão. 

Chacravartine,  65;  o  Buda  — , 
como  volta  a  cabeça  e  como 
olha,  76. 

Chinuate,  a  ponte  — ,  9,  10, 

chuva,  78. 

Ciro,  7. 

cofre  maravilhoso,  63, 

crisma  ou  tótemo  ou  dodaime : 
relação  deste  facto  com  a  lenda 
de  um  individuo  ou  de  um  po- 
vo ser  oriundo  de  cão  ou  fera 
e  individuo  humano,  7,  8, 

Cuxitas,  14. 

Darío.  V.  cavalo. 

Devaloka,  20  n.  7. 

Devaputra,  Devaputta,  20 
n.  7. 

Diabo-coxo,  60. 

dodaime.  V.  crisma. 

Duzaque,  10. 


Édipo,  8  n.  1,  28. 

éguas  da  Lusitânia,  66. 

Ejipto:  relações  comerciais  do 
—  com  Ceilão,  14,  e  n.  3,  19 
n.  de  p.  18. 

Electra,  57. 

Esquírnero.  V.  cavalo. 

Euridice,  67. 

feras :  de  que  descendem  ho- 
mens, 6,  7,  8 ;  —  que  amamen- 
tam heróis,  7,  8. 

Finlândia :  homens-cães  da— ,6. 

flauta  de  lama,  dos  Marutes,  79. 

fogo,  78.  V.  Agni. 

frángâo :  morto  lançado  nos  ali- 
cerces da  casa,  54. 

Galos :  antropófagos  no  tempo 
dos  Romanos,  6. 

ghãna,  22  n.  3. 

Gibelinos,  8. 

gnã,  80. 

Gnósticos :  V.  pé. 

Goi-gonas,  68. 

gorila,  55. 

Guelfos,  8. 

harpia,  57  ;  —  Podargue,  66, 
n.  7. 

Hánumat,  72. 

Hermes.  V.  cabeleira. 

herói.  V.  cão,  cavalo,  fera,  rin- 
chão. 

Hestia,  78  n.  1. 

Hipocrene,  60. 

Hizan,  59  n.  3. 

lama:  cães  de  — ,  9;  flauta 
de  —  79. 

ignis.  V.  ágni. 

Ilá  ou  11  ã,  80. 

Indra,  lÓ,  20  n.  5  e  6. 

ludíxtira :  entra  no  paraíso  com 
o  seu  cão,  10. 

íris,  57.  V.  Ilá. 

Isuara  (Ixuara),  74. 

i avara,  74  n.  3. 

luearés,  8. 


Jina,  22. 

Kanthaka.  V.  rinchao. 

jccpêspoí,  9,  9  n.  3. 

Khemã,  22  u.  7. 

krandaka.  F.  rinclião. 

Lala,  14,  15,  17,  19  n.  4  de  p. 

18. 
lâmpada  falante,  25,  54,  59. 
Lancá   ou  Lanká   ou  Lankã, 

11,  12,  14,  17,  74. 
Larikê,  15. 
leão:  de  Héracles,  54;  de  Mé- 

gara,  54 ;  nas  lendas  da  idade- 

-media,  55;  nas  lendas  do  Pe- 

loponeso,  55  n.  1.  V.  Simha- 

báhu. 
leite  :  maravilhoso,  64 ;  játaca  do 

senhor  do  — ,  64  n.  2. 
Ling-kia^  12. 

loba,  que  amamenta  o  herói,  7. 
lobisomem,  8. 
Lot,  mito  das  filhas   e  mulher 

de  — ,  67. 
lume.  V.  ágni. 
maçã  maravilhosa,  64. 
Mahabárata,     Mahãbhãrata, 

10,  11,  14,  60. 
Malabar,  52,  53  n.  4. 
Malaias :  montes  — ,  52. 
manto  que  transporta  pe'lo  ar, 

61  n.  1. 
Mánu  ou  Mánus,  80. 
mar-celeste,  58. 
Marutes,  57,  58. 
Medusa,  68. 

monocerote  e  a  donzela,  55. 
montanha,  monte :  dos   deuses, 

dos  felizes,  73;  brilhante,  73. 

V.    árvore,   Malaias,    pedra, 

pegada, 
monte.  V.  Atlas,  montanha, 
morte :    simbolizada    por   solas 

de  pés  gravadas   em  pedra, 

76. 
morto :  enterrado  nos  caboucos 


84 


da  casa  é  divindade  tutelar 
dela,  54.  V.  caixão,  frángao, 
phallvs. 

nãbhi.  V.  umbigo  (do  mundo). 

nibbãna.  V.  parinibbãna. 

Nicobares :  descendem  de  cão  e 
mulber,  5 ;  seu  aspecto  singu- 
lar, 5  n.  1 ;  —  e  Bermas,  5 
n.  2. 

nirvana.     V.    parinibbãna. 

nuvem.  V.  cavalo -nuvem,  voz  da 
nuvem. 

óculo  maravilhoso,  64; 

ogres,  58. 

olhar  para  trás,  26,  67. 

olharapos,  58. 

Orfeu,  67. 

pada,  76  n.  2 

padas  «pés  e  raios»,  76 

P'ao-tchu,  11,  31,  34,  35 

parinibbãna,  20  n.  1;  23  n.  5. 

passos:  dum  deus,  76,  80. 

pedra:  indivíduos  convertidos 
em  — ,  67,68;  bater  numa — , 
69;  —  do  concilio  divino  na 
montanha,  73.  V.  pé. 

pegada :  de  um  deus  no  alto  de 
monte,  71,  71,  75,  76,  78, 
79,  80;  —  humana,  71;  —  de 
Adão,  72,  74,  75 ;  lenda  da  — 
de  Buda,  73,  74 ;  dimensões 
da  —  de  Buda,  74,  75 ;  —  de 
Moisés,  72 ;  —  de  Víxnu,  80. 

Pégaso,  59,  68. 

Perseu,  68.  V.  sandálias. 

phallus:  lançado  no  fosso  da 
nova  cidade,  54. 

Pico  de  Adão,  73,  74. 

Podargue.  F.  harpia. 

Ponte  de  Adão,  Ponte  de  Rama, 
72.  V.  Chinuate. 

Prixni,  58. 

proloquio :  «quem  tem  capa  sem- 
pre escapa»,  60.  V.  andar  para 
trás;  terra. 


Prussianos.  V.  Borus. 

raios  do  sol,  dos  astros,  são  os 
seus  pés,  76  e  76  n.  2. 

Rama,  53,  72. 

Ramáiana,  11,  51,  72. 

ratna-dvípa,  11,  35,  35  n.  1. 

Rávana,  11,  72.  V.  cavalo. 

Raxasis,  Râkchasís,  Râkshasis, 
25,  26,  31  e  segs;  55,  56,  57 
e  58 ;  a  lenda  das  —  da  ilha 
de  Ceilão  é  um  j  ataca  búdi- 
co, 43. 

relinchar:  do  cavalo  do  herói, 
65. 

Remo,  7. 

Rigveda  :  passos  do  —  citado  a 
páj :  10  n.  de  páj.  9;  66;  66 
n.  1  a  6;  79;  79  n.  2,  3;  80. 

rinchào,  é  o  cavalo  do  herói  e 
especialmente  o  de  Buda,  65 
n.  3. 

rochedo  Cauta,  68. 

Rómulo,  7. 

sabala,  9  n.  3. 

Sabeus,  14, 

Sacra,  74,  n.  1. 

sacrifício,  7,  54,  77,  78,  80. 

Sakka,  Sakra,  74,  n.  1. 

Samana,  73.  74. 

Samanakuta,  73. 

Samanela,  71,  73. 

samãdhi,  22  n.  3. 

samãpatti,  22,  n.  3. 

Sambuda,  20,  e  n.  1,  22,  23. 

sarvara,  9,  n.  3. 

Sailan,  13. 

Sálai,  12. 

Salikl,  12. 

sandálias  :  de  Perseu,  60. 

sândalo,  52,  53. 

Secra,  74,  n.  1. 

Seilan,  13. 

Sekra,  74. 

sela.  V.  manto. 

semente  do  cavalo,  78. 


85 


Seng-lcia-lo,  12,  3G  e  passim. 
sereias,  57. 
Serendib,    12,  74. 
Serendivus,  12. 
Setu-bandha,  72. 
Sielediba,  12. 
Sihabáhu.  V.  Simhabáhu. 
Síhala,  Sihalâ,  13,  17,  17  n. 

2,  35  n.  2. 
Síhala-dipo,  12. 
Si h apura,   Sihapura,    Simha- 

pura,  17,  19  n.  de  p.  18. 
Silâ,  13. 
Simhabáhu,    17 ;    lenda   de   — , 

27  segs. 
Símhala  (o  principe),  25. 
Símhalas,    12,    13,    14,    25.    V. 

Símhala  S  ih  ai  a. 
Sihala,  12.  V.  Sihalà. 
Síhala-dvipa,  12,  26,  53. 
Sirindih,  12. 
Siripãda,  73. 
Sofala,  19,  n.  de  p.  18. 
sol :    olho    dos    deuses,    cavalo 

branco,  66;  comparado  a  Agni 

ou  a  Víxnu,  80 ;  relação  do  pôr 

do  sol  com  a  pegada  de  um 

deus  no  cimo  dum  monte,  80. 
soma,  77,  78,  79. 
Sripãda,  73. 
Subhakúta,  73. 
Sumanakúta,  73. 
Supara,  Suppara,  18  e  n.  4. 
Talátala,  (58. 
Tambapáni,      Tamba-panni, 

13,   19,  21,   21    n.  2,  5l'. 'f. 

Tãmra-parni. 
Tãmra-dvipa,  11,  25,  26,  51. 
Tãmra-parna,  11,  13,  14,  25, 

51,  53. 
Tãmra-parni,  52,  53  n.  4. 


tapete  voador,  60,  64.  V.  capa. 

Taprobana,  13,  13  n.  3,  14,  21 
n.  2,  25. 

Taprobánè,  14  n.  2. 

Tártaro,  68. 

Tatágata,  22  e  Tathãgata,  22 
n.  4,  42. 

Tavatinsa,  74  n.  1. 

terra  :  bater  na  — ,  69. 

Thaúmas,  hl. 

Tiri,  8. 

tótemo  ou  dodaime.  V.  crisma. 

umbigo  do  mundo,  77,  78. 

Upalavana,  Uppalavanna, 
Uppalavannã,  20,  e  n.  7. 

uttara-vedi,  77. 

vãg  ãmbhrni,  79. 

vedi,  77,  78. 

vento:  o  cavalo  de  Buda  sus- 
tenta-se  bebendo  os  ventos ; 
—  amigo  de  ágni,  66 ;  con- 
cebem dele  as  éguas  da  Lu- 
sitânia, 66;  é  dele  filho  o  ca- 
valo árabe,  67  n.  de  p.  66;  e 
o  cavalo  descrito  por  Ariosto. 

Vesta,  78  n.  1,  80  n.  1 

Vijaia :  28 ;  53,  e  n.  4 ;  lenda 
de  — ,  V.  p.  17  segs. 

vimokha,  22  n.  3. 

Víxnu,  20  n.  7 ;  64 ;  passos 
de  — ,  80. 

voz  :  reveladora,  79  ;  —  da  nu- 
vem, 79  ;  —  da  çarça  ardente, 
79. 

Yakkhinis  (laquinis) :  comem 
jente,  47,  48;  depois  do  que 
fica-lbes  o  corpo  frio,  47  e  n.  2. 

Zafar,  19  n.  de  p.  18. 

Zéfiro,  66  n.  7. 

Zoroastreus :  como  consideram 
o  câo,  9,  e  n.  2;  10,  e  u.  1. 


ÍNDICE 


Pi'efacio i-vii 

Introdução 1 

I  Os  monstros  de  Pegu.  Os  homens-cães 3 

II  Orijern  do  nome  de  Ceilão 11 

III  Conquista  da  ilha  de  Lancá,  e  fundação  do  reino  Sin- 

galês  ou  dos  Leões,  segundo  o  Dipavamsa /. .  17 

IV  O  príncipe  Simha  salvo  pe'lo  cavalo  májico 25 

V  Orijem  do  reino  de  Simha,  segundo  o  Mahavamsa 27 

VI  Orijem  do  reino  de  Símhala.  A  lenda  das  Raxasis  e  do 

cavalo  májico,  segundo  Hiuan-Tsam 31 

VII  O  Játaca  do  Cavalo-Nuvem 45 

VIII  Valor  histórico  e  jeográfico  das  lendas  precedentes. ...  51 

IX  Raxasis,  Sereias  e  Harpias.  Os  cantos  celestes 57 

X  O  cavalo  do  herói.  Transformações  do  mito  do  cavalo 

májico :  çapatos  encantados,  botas  de  cortiça 59 

XI  La  dispute  des  deux  démons 63 

XII  O  rinchar  do  cavalo  do  herói.  O  olhar  para  trás 65 

XIII  As  pegadas  dum  deus  no  alto  dum  monte  : 

I.  —  Pegada  de  Adão  e  Ponte  de  Adão 71 

II.  —  A  pegada  divina  e  o  naíturalismo  árico 75 

Rejistro  alfabético 81 


PQ       Vasconcell os -Abreu,  Guilherme 

9226     de 

V3  Passos  dos  Lusíadas 


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